
Brasília preenche boa parte do que considero essencial para ser feliz. Reler a frase me remete a 2005, quando cheguei com uma mala de roupas e um currículo debaixo do braço. Há duas décadas, não imaginava ser possível uma conexão tão profunda com a cidade, nas sutilezas do dia a dia e nas questões monumentais também. Naqueles idos, Brasília soava para mim como algo impessoal e impenetrável.
Vim de Minas em busca de sonhos, como vieram meu conterrâneo Juscelino Kubitschek, e milhares de brasileiros. Mergulhei na cidade. Não só a que tem forma de avião, mas em todas as brasílias que Brasília produziu.
Desde sempre, sou aluada. Aquele tipo de pessoa que não pisa fora dos caixotes de concreto sem buscar o pôr do sol, as estrelas e a lua. Não demorou para eu perceber que, às seis da tarde, o vento para de soprar. Os pássaros silenciam, e o sol se põe devagar aquarelando as nuvens. A cidade segue seu ritmo frenético. Eu paro. Respiro fundo e me deixo enredar pelo cenário-pintura como os de Tarsila do Amaral.
Mas é claro, nem tudo são flores, ou melhor, ipês floridos. Com o ar dos anos, descobri uma Brasília que desafia o corpo e a mente. Quase tudo o que acontece no Brasil é decidido na Praça dos Três Poderes. De tempos em tempos, florescem políticas públicas que reduzem a fome; que incluem; que distribuem renda, promovem o crescimento econômico e fazem o Brasil caminhar para uma sociedade mais justa. Outras vezes, elas arrastam o país para realidades que oprimem e massacram. Dali saem as decisões que condenam 59 milhões de brasileiros a viver na miséria. E garante aos 1,536 milhão dos superricos, as benesses de acumular mais e mais capital.
Também é nos Três Poderes que todos os anos os indígenas e as margaridas gritam por garantias de direitos fundamentais. É onde se colocam cruzes no gramado exigindo políticas que reduzam os feminicídios com políticas públicas. Onde milhares tomam a praça e o gramado celebrando as eleições diretas, democráticas e por meio das urnas eletrônicas, um dos sistemas mais avançados e seguros do mundo. Minha Brasília é isso: um convite diário à reflexão e celebração de conquistas históricas.
Vale destacar que sempre no auge de setembro, sol fervendo, umidade batendo 10%, 12% numa secura desértica, 20 anos depois de desembarcar na cidade, ainda me emociono com as primeiras chuvas. Que coisa linda! Um alívio depois de uma longa e sofrida estiagem. Aprendi com os brasilienses a correr para a janela e gritar e rir e cantar a chegada da chuva do pequi.
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Brasília tem seus pontos de refúgio. Vez ou outra, quando um sentimento triste me alcança, subo na Torre de TV e aprecio a grandeza da cidade. Carros, pessoas e meus problemas se amiúdam lá de cima. As coisas ruins se dissipam. Enfim, minha Brasília é intensa, irrequieta e instigante. Meu lugar de luta e de paz.