
"Foi desesperador. O fogo se alastrou tão rápido que não deu tempo de salvar quase nada", descreveu com lágrimas nos olhos Natália Silva de Araújo, 28 anos, moradora do Recanto das Emas. Um incêndio de grandes proporções atingiu cerca de 30 moradias em uma ocupação irregular, na quadra 406, na madrugada de ontem. Não houve vítimas, mas 22 famílias ficaram desabrigadas. Das casas atingidas, foram preservadas 10 moradias de madeira e nove de alvenaria, segundo a tenente Sheila Tahan, do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF).
"Só salvei minha cama e a geladeira. Pensei apenas em tirar minhas filhas dali. Foi desesperador", contou Natália. "O material escolar das minhas filhas, roupas, fraldas, tudo foi consumido. Agora, estou sem rumo, sem saber para onde ir e o que devo fazer", destacou Natália, que mora no local há quatro anos com o marido Gabriel, 28, e as filhas Isis, 2, e Laura, 6.
Após o incêndio, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, anunciou medidas emergenciais para auxiliar as famílias atingidas pelo incêndio. Entre elas, o chefe do Executivo garantiu a ampliação do Cheque Moradia, com o ree de R$ 15 mil para cada família afetada, além do Auxílio Aluguel, distribuição de cestas básicas e oferta de refeições diárias.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), as famílias afetadas receberão auxílios emergenciais do governo, incluindo o Auxílio Calamidade e o Auxílio Vulnerabilidade, cada um no valor de R$ 408. A Sedes ofereceu abrigo provisório às famílias atingidas, mas as pessoas preferiram se abrigar em casas de familiares e amigos. A secretaria distribuiu colchões, travesseiros e cobertores aos moradores.
"A gente sente muito pelo que aconteceu, mas já temos terrenos destinados para essas famílias, e a infraestrutura está em fase final. Além disso, vamos encaminhar para a Câmara Legislativa aprovar em regime de urgência uma ampliação do Cheque Moradia para essas pessoas que vão ser removidas em situação de dificuldade", anunciou Ibaneis Rocha.
A vice-governadora Celina Leão esteve no local do incêndio e afirmou que o governo pretende aproveitar a situação para reorganizar a área e impedir novas ocupações irregulares. "Se não organizarmos agora, o problema vai voltar. Estamos trabalhando para realocar as famílias que têm direito a uma moradia digna, evitando que outros incidentes como esse aconteçam", declarou.
Segundo o delegado Fernando Fernandes, da 27ª Delegacia de Polícia, do Recanto das Emas, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) está investigando as causas do incêndio. "A principal linha de investigação é que o fogo foi causado por uma pessoa que estava fazendo uso de substância entorpecente e o cigarro de maconha ou crack teria caído em cima do tecido, causando o incêndio", disse. O delegado, junto com outros moradores do local, fizeram uma vaquinha e adquiriram doces, pães e refrigerantes, que foram distribuídos no local.
Perdas
Ana Carolina Xavier, 32 anos, morava no local do incêndio havia 15 e perdeu tudo que tinha. "Por um lado, fiquei muito tranquila porque todos da minha família estão bem, mas perdi tudo", lamentou. "Eu estava dormindo e fui acordada com os gritos dos vizinhos. Na hora, só pensei em tirar os meus filhos dali. Não consegui pegar nada. Mas, graças a Deus, consegui resgatar minha cachorrinha. Ela é da mesma idade do meu filho mais novo, 6 anos, foram criados juntos", contou. A moradora relatou que, para levar os filhos à escola, precisou usar a casa da vizinha para dar banho e vestir roupas doadas nas crianças, já que as roupas dos filhos foram todas perdidas.
O fogo afetou, inclusive, a saúde dos moradores. Neide Conceição Landim, 53, desmaiou assim que foi acordada pela filha por conta do incêndio. "Fui levada para a casa de uma vizinha. Sou diabética e minha insulina estava toda dentro da geladeira. Os funcionários da Sedes tiveram que me fornecer o medicamento", comentou. "Perdi todos os meus eletrodomésticos e documentos", completou. "Eu espero muito que o governo nos proporcione uma moradia digna daqui para frente", concluiu.
Gestão
O urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo analisa que, para evitar novos incêndios como esse, as istrações regionais devem fazer mapeamentos sistemáticos de riscos. "No DF, temos um problema sério na intersecção entre parâmetros de defesa civil e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), que praticamente não tem diretrizes de defesa civil. É preciso um acompanhamento contínuo, que registre as preocupações dos moradores com relação a segurança, ibilidade e mobilidade. Os es são sempre os últimos a saber e nunca são arrolados como responsáveis pela vigilância de cada bairro", pontuou. "Temos que ter um procedimento de gestão pública para complementar o planejamento urbano. Os es e técnicos precisam fazer visitas semanais às áreas mais vulneráveis de cada região para mapear riscos biológicos, de sinistros, de incêndio, de enchente, entre outros", avaliou.
O medo em Santa Luzia
Vivendo em condições precárias, em casas de madeira amontoadas e com esgoto a céu aberto, os moradores da comunidade Santa Luzia, a cerca de 12 km do centro da capital do país, na Estrutural, temem que, devido à situação alarmante, incêndios ocorram na região. As ligações clandestinas de energia em postes improvisados aumentam o risco enfrentado pelos mais de 10 mil habitantes da área irregular.
Dona de uma pequena mercearia improvisada e feita de madeira, Vânia Cardoso, 47 anos, relatou que o medo do fogo é constante entre os moradores. "Já vi diversos barracos pegarem fogo, sempre por conta de velas e cigarros acesos. Eu, por exemplo, não uso vela de jeito nenhum. Compro luminárias porque tenho medo de as crianças mexerem, derrubarem e começarem um incêndio. Tudo aqui é muito inflamável. Isso me preocupa muito, ainda mais porque as pessoas gostam de fazer fogueiras", contou.
Marcelene Barbosa, 44 anos, explicou que os cuidados precisam ser redobrados para evitar tragédias, especialmente em um barraco feito inteiramente de madeira. "Evito dormir com o ventilador ligado. Essas ligações clandestinas de energia são perigosíssimas, é fio para todo lado dentro das casas. Tem que ter muito cuidado. Aqui já aconteceram vários incêndios em barracos", alertou.
Morando sozinha com os três filhos, Marcélia Rodrigues, 28 anos, revelou que os postes da rua onde vive pegavam fogo frequentemente devido às ligações irregulares. Com medo de uma tragédia maior, os moradores fizeram uma vaquinha para trocar a fiação. "Já presenciei diversos incêndios na região e, todos os dias, morro de medo que aconteça de novo", desabafou.
Como ajudar
Doações podem ser entregues na 27ª Delegacia de Polícia, do Recanto das Emas. "Estamos recebendo doações de roupa, fralda, leite, calçados e brinquedos", informou o delegado Fernando Fernandes.
Memória - Cinco mortes em Planaltina
Em agosto de 2024, cinco pessoas de uma família morreram após um incêndio em uma habitação irregular de madeira no bairro Nossa Senhora de Fátima, em Planaltina, às margens da DF-250. As vítimas foram Ione da Conceição, 47 anos; Eulália Narim da Conceição Pereira, 5; Sophya Hellena Conceição Costa, 8; Marybella Marinho da Silva, 9; e Kethleen Vitoria da Conceição Silva, 14.
Saiba Mais

Mila Ferreira
RepórterJornalista graduada pelo IESB e pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS. Experiência como roteirista e assessora de comunicação pública e corporativa. Repórter na editoria de Cidades do Correio Braziliense