
Neuropsicólogo, matemático e professor aposentado do Departamento de Neurologia da Universidade RWTH, na Alemanha, Klaus Willmes está no Brasil e falou ao Correio com exclusividade sobre a pesquisa que desenvolveu em parceria com 19 hospitais da Alemanha. O protocolo desenvolvido pelo médico em parceria com outros profissionais tem ajudado pacientes com distúrbios da fala e afasia, uma condição neurológica que afeta a linguagem e capacidade de comunicação e pode se manifestar após Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou lesões cranianas causadas por traumas como acidentes ou quedas.
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O que o senhor trará de novidade para o congresso em termos de pesquisa em neuroplasticidade?
Antes, os médicos achavam que a neuroplasticidade do cérebro se mantinha apenas até um ano no máximo, após um AVC. Depois disso, por este senso comum, diminuíam as chances de melhora. No entanto, eu e meus colegas nunca acreditamos nisso. Por isso, 19 hospitais na Alemanha se juntaram para elaborar um protocolo e avaliar os pacientes pós AVC. Estudamos intensamente esses pacientes e comprovamos que, mesmo anos após o AVC, ainda havia plasticidade no cérebro e boas possibilidades de reabilitação. Desenvolvemos uma técnica com base em estatísticas para mostrar que era possível recuperar a plasticidade do cérebro e algumas habilidades perdidas. Com esses resultados, sugerimos aos planos de saúde que oferecessem tratamentos mais prolongados para pacientes que tiveram AVC. Como resultado dessa técnica implementada, muitos pacientes apresentaram melhoras significativas como melhoria na comunicação diária, alguns inclusive voltaram ao trabalho. Mesmo os que não voltaram às profissões de antes, conseguiram atuar em outras áreas e também se comunicar com as pessoas, o que reflete também na qualidade de vida, autoestima e confiança. A vida das famílias desses pacientes também melhorou.
É a sua primeira vez colaborando com o Hospital Sarah Kubitschek?
Minha filosofia é muito alinhada com a do Sarah, pois trato o meu paciente como um todo, sem olhar apenas para a doença, assim como faz o hospital. É uma abordagem diferente da usada na Europa. Me especializei na imagem funcional do cérebro, foi aí que começou minha colaboração com o Sarah. É minha quinta vez no Brasil. Conheço a doutora Lúcia Braga desde 1998, e este congresso tratará de temas que vão ao encontro das minhas especialidades.
O senhor é especializado em afasia e distúrbios da fala. Este tipo de sequela provém apenas do AVC ou podem surgir de outras maneiras?
Cerca de 80% dos pacientes adquirem afasia após um AVC ou hemorragia no cérebro. Os outros 20% adquirem por traumatismos cranianos causados por acidentes de carro, por exemplo, ou outro tipo de trauma. A severidade da afasia nestes casos depende da extensão da lesão. Tumores cerebrais também podem causar afasia. O distúrbio pode ser causado ainda em caso de cirurgia cerebral se, para retirar o tumor, precisar mexer na área relacionada à fala, que fica do lado esquerdo do cérebro. Distúrbios de linguagem também podem se desenvolver após inflamações no corpo, mas esses casos são mais raros. As crianças também podem desenvolver afasia, pelos mesmos motivos dos adultos. Nesse caso, dependendo da idade, um hemisfério do cérebro pode compensar os distúrbios causados no outro.
Um hemisfério do cérebro pode atuar compensando os danos do outro lado somente em caso de lesões em crianças ou isso pode acontecer em adultos também?
Pode acontecer também em adultos. Hoje em dia, há fases diferentes após um AVC. Nos primeiros dias, a atividade cerebral é reduzida nos dois hemisférios do cérebro. Mas, a princípio, o lado direito começa a ficar ativo primeiro. Com o ar dos meses, o lado esquerdo começa a ter mais atividade e o direito começa a atuar também na compensação. Tudo depende de onde a lesão ocorre. Nos últimos dez anos, houve muita melhora na neuroimagem. Durante a minha pesquisa, mudei os conceitos algumas vezes. Com novas informações, vieram novas perspectivas. Antes, achávamos que eram as áreas do cérebro que eram determinantes, mas agora vemos que as conexões entre as áreas também impactam muito na atividade cerebral. Para algumas funções, as conexões são ainda mais importantes.
Quais são as pessoas mais atingidas por afasia e distúrbios da fala?
Antes, acreditava-se que era somente coisa de pessoas mais velhas que tinham AVC e afasia, mas, atualmente, a sociedade tem percebido que os distúrbios da fala podem afetar pessoas de 40 e 50 anos também. A reabilitação neuronal devia ter mais destaque na sociedade, pois, apesar de caro, é um tratamento importante para recuperação de muitos pacientes, não só no Brasil mas em todo o mundo.
O seu trabalho tem impactado de alguma maneira pacientes que tiveram sequelas da covid?
Não sou especializado em sequelas de covid longa. A covid afeta domínios gerais do cérebro como atenção e memória. No entanto, pessoas com covid também podem ter problemas de comunicação, mas devido ao impacto geral no cérebro, pois a covid pode causar fadiga cerebral.
A inteligência artificial tem contribuído de alguma maneira nos seus estudos e pesquisas?
É preciso muita informação para desenvolver os estudos que tenho feito sobre afasia. Portanto, a inteligência artificial ajuda, sim, no manejo dos dados que levantamos, que são muitas e extensas. É importante ressaltar que a inteligência artificial não funciona sozinha, é preciso saber guiá-la. É preciso ação humana para direcionar a ação.
O senhor acredita que terapias alternativas como ioga e meditação podem ajudar na reabilitação cerebral dos distúrbios da fala?
Estes outros métodos têm o seu valor, mas não são específicos o suficiente nesse sentido. Para melhorar afasia e distúrbios da fala, é preciso tratamentos mais intensos. São necessárias, pelo menos, 10 horas por semana de fonoaudiologia individual, além de fonoaudiologia em grupo, que também ajuda bastante. O Sarah aborda muito bem esse aspecto de que o paciente não é tratado somente de forma isolada, e sim como um ser que faz parte de uma comunidade. Tem também a estimulação transcranial do cérebro, onde colocamos eletrodos do lado de fora da cabeça para ajudar os neurônios a estarem mais ativos e eficientes.
Colaborou: José Carlos Vieira
Saiba Mais
Especialistas em neuroplasticidade e neurorreabilitação reunidos
De hoje a quinta-feira, Brasília receberá o Congresso Latino-Americano da World Federation for Neurorehabilitation: Neuroplasticidade e Neurorreabilitação, e a sede do evento será a Rede Sarah. O congresso terá a participação de expoentes da neurociência internacional de diversos países, incluindo Europa, Américas, Ásia, África e Oceania, que apresentação as pesquisas mais recentes sobre neuroplasticidade e neurorreabilitação.
A programação do congresso é diversificada, contando com palestras, apresentações de pesquisas, workshops e painéis que cobrirão diversas temáticas. Entre os assuntos a serem abordados estão a saúde digital, cognição social, plasticidade cerebral, inovações no estudo da dislexia, além de discussões sobre doenças como Alzheimer, AVC, doença de Parkinson e a reabilitação de lesões como o traumatismo crânio encefálico. As consequências neurológicas da covid-19 também serão um tema em pauta.
Entre os nomes confirmados no congresso, estão o neurocientista francês Stanislas Dehaene e a neurocientista da Rede Sarah, Lúcia Willadino Braga. Ambos irão discutir a capacidade do cérebro de se reorganizar e evoluir em resposta a experiências e processos de reabilitação. O presidente da Organização Mundial de Neurorreabilitação (WFNR), Volker Hoemberg, tratá perspectivas sobre as direções futuras da neurorreabilitação.
Outros especialistas renomados da neurologia e neuropsicologia de várias nações também estarão presentes, como Barbara Wilson (Inglaterra), Jennie Ponsford e Vicky Anderson (Austrália), Klaus Wilmes e Thomas Platz (Alemanha), e Sheldon Benjamin, Shari Wade e Christopher Giza (EUA).
Mais informações sobre a programação, palestrantes e inscrições podem ser encontradas no QR Code ao lado.