Visão do Direito

Justiça gratuita e o aumento das reclamações trabalhistas

"Alguns fatores alheios ao contrato podem contribuir para o aumento da quantidade dos processos trabalhistas distribuídos diariamente, como a dificuldade de interpretação da lei, a ausência de entendimento pacífico de alguns temas e o aumento do desemprego"

Maria Beatriz Tilkian e Ana Carolina Aspar da Silva -  (crédito: Divulgação)
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Maria Beatriz Tilkian e Ana Carolina Aspar da Silva - (crédito: Divulgação)

Por Maria Beatriz Tilkian* e Ana Carolina Aspar da Silva** — Os processos judiciais que discutem as relações de trabalho são denominados de reclamações trabalhistas, sendo ações processadas com regramentos próprios e, muitas vezes, distintos da Justiça Comum.

Os motivos pelos quais o trabalhador procura a Justiça do Trabalho são diversos, mas há uma parcela de demandas que afogam o Poder Judiciário com pedidos que, muitas das vezes, não correspondem com a realidade, onde não há efetiva falta pelo empregador, mas apenas a tentativa de obter alguma vantagem, sobretudo pelo descontentamento pelo término da relação de emprego.

Alguns fatores alheios ao contrato podem contribuir para o aumento da quantidade dos processos trabalhistas distribuídos diariamente, como a dificuldade de interpretação da lei, a ausência de entendimento pacífico de alguns temas e o aumento do desemprego.

Por outro lado, há fatores que desmotivam a busca por direitos efetivamente lesados, como a demora do processo e exigências como aquelas inauguradas pela Reforma Trabalhista (2017): pagamento de honorários e parâmetros para deferimento de justiça gratuita.

As estatísticas do TST revelam que, após a Reforma, houve uma queda aproximada de 42% no volume de processos. Deixando de lado os argumentos que embasam as decisões dos Tribunais a respeito do o à Justiça, certo é que o risco do indeferimento da assistência judiciária certamente promoveu reflexões aos menos corajosos para ajuizamento de demandas infundadas, em razão do risco de pagamento de custas e honorários.

ada a reforma, a estatística se manteve em tímida crescente, com uma queda brusca nos anos da pandemia, voltando a crescer quando os julgados aram a concretizar entendimentos quanto às até então novidades legais, que foram consolidadas com a tese fixada pelo TST, pouco antes do recesso forense no final de 2024: a flexibilização dos procedimentos para a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Antes da Reforma, a análise dos requisitos para classificação do hipossuficiente (aquele que possui recursos financeiros limitados e não pode arcar com os custos judiciais sem o comprometimento de sua subsistência), era indeterminada, incumbindo ao juiz avaliar a necessidade da assistência, mediante pedido da parte.

Com a Reforma, a Lei ditou o parâmetro: hipossuficiente é aquele que recebe até 40% do teto do Regime da Previdência Social, atualmente em R$ 8.157,41.

Agora, com o Tema 21 definido pelo TST, além de o juiz dever analisar se a parte é hipossuficiente ou não, mesmo sem pedido, poderá afastar a limitação de salário previsto na Lei para aqueles que apresentarem mera declaração assinada.

Para a parte contrária, na maioria empresas, caberá a produção de prova robusta de que o autor da ação possui meios de arcar com os custos judiciais e que efetivamente afere valores acima dos 40%.

Por consequência, o deferimento facilitado da justiça gratuita afasta a responsabilidade sobre o pagamento de honorários e custas processuais, vez que o STF já definiu a suspensão de exigibilidade desses valores por dois anos, o que já vem restabelecendo o aumento das reclamações trabalhistas.

De modo geral, é importante considerar que demandas irresponsáveis sempre irão existir, seja na Justiça do Trabalho, seja na Justiça Comum; contudo, é inegável considerar que a inexistência de consequência monetária dá impulso direto para novas ações.

Em que pese o imprescindível direito constitucional à assistência judiciária, vê-se, cada vez mais, a retomada da sua utilização por aqueles que estão distantes da hipossuficiência e utilizam o Poder Judiciário em aventuras jurídicas, sem risco de responsabilização por tais atos. A expectativa é de novos recordes na distribuição de processos trabalhistas no Brasil para o ano de 2025.

*Sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados em São Paulo

**Advogada da área trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados em São Paulo

 

  •  2025. Eixo Capital. Maria Beatriz Tilkian, sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo
    2025. Eixo Capital. Maria Beatriz Tilkian, sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo Foto: Divulgacao
  •   2025. Eixo Capital. Ana Carolina Aspar da Silva é advogada da área trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo.
    2025. Eixo Capital. Ana Carolina Aspar da Silva é advogada da área trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo. Foto: Divulgacao
Opinião
postado em 06/03/2025 04:00