
Nos últimos meses, a advocacia tem sido utilizada como pretexto para a aplicação de golpes. Criminosos em diversas regiões do país estão se aproveitando de informações de processos judiciais reais — muitas vezes obtidas em sites de tribunais — para entrar em contato com as partes envolvidas e obter vantagens financeiras. Com o a esses dados, os golpistas se am por advogados legítimos e abordam as vítimas com discursos convincentes, explorando a confiança depositada na figura do profissional.
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Nesse contato, os criminosos utilizam uma abordagem persuasiva e adotam um tom de urgência, solicitando a antecipação de valores, e alegam que, após o pagamento, será liberado um crédito que a vítima estaria prestes a receber em decorrência de um processo judicial. Muitas pessoas, acreditando na veracidade da informação, acabam realizando transferências que jamais deveriam ter sido feitas.
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Marcos Nehme, especialista em cibersegurança e diretor de Vendas da Proofpoint Latam, explica que o golpe do falso advogado está relacionado à engenharia social — técnica de manipulação usada por cibercriminosos para explorar emoções humanas. "Como medo, e principalmente urgência e empatia, as vítimas acabam tomando decisões precipitadas", destaca. "Nesse caso, a melhor defesa é uma combinação de consciência, prudência. Educar, proteger e agir com calma são atitudes essenciais para proteger a si mesmo, a sua família e a sua organização em tempos de ameaças cada vez mais humanas", completa o especialista.
A advogada Vanessa Ramos de Sousa foi uma das vítimas que tiveram seu nome utilizado por criminosos para aplicar golpes em seus clientes. Ela relata que, em novembro de 2024, começou a receber inúmeras mensagens em seu celular de clientes perguntando se ela havia trocado de número, pois uma pessoa, utilizando outro telefone, estava se ando por ela.
"Esse número enviava aos clientes dados como o número do processo, nome completo e F, informando que a ação havia avançado e que o valor a ser recebido seria liberado em breve. No entanto, para que isso ocorresse, alegavam ser necessário o pagamento de uma suposta taxa judiciária para a homologação final do processo", relembra a advogada.
Assim que soube da tentativa de golpe, a advogada entrou em contato com todos os seus clientes e conseguiu evitar que algum deles fosse lesado. Na ocasião, os criminosos estavam abordando um grupo de cerca de 300 pessoas envolvidas em uma ação de cobrança contra uma organização responsável por um esquema de pirâmide financeira.
Na semana ada, a tentativa de fraude voltou a ocorrer. Dois números diferentes entraram em contato com os clientes, utilizando sua foto e nome no WhatsApp e repetindo o mesmo modus operandi: alegavam que o valor do processo seria liberado, mediante o pagamento de uma suposta taxa.
Segundo Vanessa, a situação afeta diretamente o exercício da profissão. "Além da preocupação com os clientes, preciso interromper todas as minhas atividades para alertá-los. E, pior, quando não estão bem informados, muitos acabam achando que somos nós que estamos pedindo dinheiro, o que gera desconfiança e compromete a relação de confiança no nosso trabalho", afirma.
Diante dessa ameaça, a Associação dos Advogados (AASP) lançou a campanha Antes de Confiar, Confirme, com o objetivo de proteger tanto a advocacia quanto a sociedade. A iniciativa promove a divulgação de materiais de alta qualidade, elaborados com responsabilidade e didatismo, para que advogadas, advogados e escritórios em todo o país possam se comunicar com seus públicos de forma clara, segura e eficaz. Estão disponíveis cards, textos explicativos e conteúdos em formato de perguntas e respostas, prontos para uso e compartilhamento por redes sociais.
"Recomendamos à população que jamais faça transferências financeiras sem confirmar a origem do pedido e que sempre consulte os canais oficiais dos advogados com quem se relaciona. E reforçamos aos profissionais da advocacia a importância de manter uma comunicação ativa e transparente com seus clientes. A união da classe é fundamental para combater esse tipo de crime", declara a presidente da AASP, Renata Castello Branco Mariz de Oliveira.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também está promovendo uma campanha de conscientização e combate ao chamado golpe. A iniciativa tem como foco principal orientar a população, prevenir novas vítimas e oferecer ferramentas práticas para autenticar a identidade de profissionais da advocacia, protegendo a imagem da classe e a segurança dos cidadãos.
Entre essas ferramentas está o ConfirmADV, uma plataforma digital integrada ao Cadastro Nacional dos Advogados (CNA), que permite a qualquer pessoa verificar rapidamente se está em contato com um advogado regularmente inscrito na OAB. Para isso, o cidadão informa dados como número de inscrição, estado de registro e o e-mail fornecido pelo suposto advogado.
Após o preenchimento, uma solicitação automática é enviada ao e-mail do advogado, que terá até 5 minutos para confirmar sua identidade. Se a resposta for enviada dentro do prazo, o cidadão recebe a autenticação validada; caso contrário, ambos são notificados de que a verificação não foi concluída.
Caso o cidadão tenha sido vítima de uma tentativa de golpe ou já tenha realizado um pagamento indevido, é possível fazer uma denúncia diretamente pelo canal oficial da OAB Nacional, ando o site https://fiscalizacao.oab.org.br. As denúncias serão encaminhadas para apuração e para as seccionais correspondentes.
"A campanha da OAB Nacional contra o golpe do falso advogado é uma resposta firme à prática criminosa que compromete a cidadania e a confiança na Justiça. Nosso compromisso é proteger a sociedade e valorizar a advocacia ética e regular. A adesão expressiva ao ConfirmADV — com quase 10 mil verificações em três semanas — confirma que investir em conscientização, prevenção e tecnologia é o caminho certo", declara Beto Simonetti, presidente da instituição.
Prejuízo à advocacia
De acordo com Renata Castello Branco, mesmo que o prejuízo direto seja, em geral, sofrido pela vítima, os advogados, que têm seus dados usados de forma indevida, também enfrentam sérias consequências. "A principal delas é o dano à imagem e à credibilidade profissional. A repercussão pode afetar o escritório, comprometer vínculos profissionais e manchar uma reputação construída ao longo de anos", destaca.
A presidente recomenda que os escritórios de advocacia adotem medidas preventivas para evitar esse tipo de golpe. Entre elas, destaca-se a inclusão, no contrato de prestação de serviços, da indicação clara dos meios oficiais de contato entre o escritório e o cliente, especificando números de telefone, WhatsApp, e-mails e redes sociais autorizadas para a comunicação.
É importante também esclarecer ao cliente que não serão solicitados pagamentos antecipados como condição para a liberação de créditos. Caso receba esse tipo de solicitação por telefone ou mensagem, o cliente deve sempre confirmar a veracidade entrando em contato com o advogado por meio dos canais oficiais previamente informados. Além disso, recomenda-se verificar cuidadosamente os dados da conta bancária informada para eventuais transferências via Pix.
A profissional afirma que esse tipo de crime fere profundamente não apenas as vítimas diretas, mas toda a classe advocatícia. "Nosso objetivo é fortalecer a reputação dos profissionais e proteger os clientes. Com união, somos mais fortes contra esse tipo de fraude", declara.