MESTRE DAS PALAVRAS

Martinho da Vila revisita trajetória em autobiografia 'Martinho da vida'

Na obra, o autor revisita 86 anos de memórias e revela fatos nunca antes contados nas inúmeras entrevistas que concedeu durante a longa carreira artística

Martinho da Vila lança autobiografia 'Martinho da vida' -  (crédito: Leo Aversa)
Martinho da Vila lança autobiografia 'Martinho da vida' - (crédito: Leo Aversa)

A história do samba e a trajetória de Martinho da Vila na música andam lado a lado. Nascido em Duas Barras, Rio de Janeiro, o carioca se consagrou, em mais de meio século de carreira, como um dos maiores nomes do gênero musical, destacando-se, principalmente, pelas composições. O que poucos sabem é que, para além da música, Martinho estende o dom da escrita para o mundo da literatura. Com mais de 20 livros escritos, o artista lança um dos mais importantes da carreira — a autobiografia Martinho da vida.

Apaixonado pelo carnaval — Martinho carrega a escola de samba do coração, Unidos da Vila Isabel, no nome —, o compositor encantou-se pelo universo literário em meio aos sambas -enredo. “Quando era bem novinho, eu era da escola de samba Aprendizes da Boca do Mato, bairro aqui do Rio de Janeiro. No ano em que entrei, o tema proposto foi Machado de Assis: Vida e obra. Naquela época, eu fui à biblioteca, fiz uma pesquisa e escrevi o samba”, conta o autor.

A música cita algumas obras de Machado, como Quincas Borba, Esaú e Jacó, A mão e a luva e A ressurreição, até então desconhecidas para Martinho, mas, que posteriormente, tornaramse inspiração para o artista. “É assim que nasce um leitor, graças ao Machado”, declara. Martinho considera o conterrâneo como seu principal ídolo literário, ao lado de Lima Barreto.

Em Martinho da vida, o autor revisita 86 anos de memórias e revela fatos nunca antes contados nas inúmeras entrevistas que concedeu durante a longa carreira artística, desde relacionamentos vividos, relação com religião e posicionamentos políticos. “Já foram escritas algumas biografias minhas, mas existem algumas coisas que eu não disse aos escritores”, conta o compositor. No livro, Martinho expõe,por exemplo, o fato de ter começado a fumar com apenas quatro anos de idade, em uma tentativa da família de fazê-lo parar de comer terra.

“Por isso, decidi fazer uma biografia mais completa e, para não ficar tão comum, eu fiz como se fosse uma conversa minha comigo mesmo”, explica Martinho. A obra conta com dois protagonistas — o escritor Zé Ferreira, que encontra, em sonho, um musicista conhecido como Da Vila. “É o Martinho da Vila conversando com o Zé Ferreira. O Zé Ferreira pergunta pela vida artística, e o Da Vila pergunta pela literatura”, acrescenta. “Um pouco de ficção, com muitas pitadas de realidade”, define o autor sobre o livro.

Durante o diálogo dos personagens, que se dá de forma leve e bem humorada, características pessoais do escritor, Martinho relembra momentos como sua saída de Duas Barras e o período da ditadura militar. Para ele, os principais destaques são as agens que contam o início de sua vida, antes mesmo de sonhar com a fama. ”Eu gostei de ter explorado bem a minha origem, de onde eu nasci, lá no interior do estado do Rio, em Duas Barras, e depois a minha vida na favela”, analisa o cantor.

A escrita da obra, realizada durante a pandemia, trouxe momentos reflexivos para Martinho. “Volta e meia, a um filminho na cabeça”, confessa. “Tem uma parte do livro em que eu conto de um momento em que eu estava no hotel, em frente ao espelho, relembrando do ado, e pergunto a mim mesmo: ‘Como é que eu cheguei aqui? Como eu subi os degraus da escada social?’. Foi muito difícil, eu fui galgando aos poucos, mas muita gente me ajudou, a música principalmente”, ressalta.

Relação com os palcos

Mesmo com o encanto pela literatura, a paixão pelos palcos ainda tem espaço no coração de Martinho. “Eu gosto do palco, porque lá eu me realizo, me emociono e emociono as pessoas. Lá, as pessoas me conhecem, conhecem mais minha obra”, pontua. “O palco, para mim, é um bom lugar, é um lugar mágico. Às vezes, quando eu estou meio devagar, eu entro no palco e a energia do povo e os aplausos logo me alegram e eu fico ótimo”, reflete o carioca.

“Eu fico muito feliz quando eu canto e uma pessoa fica parada me olhando reflexivamente, outra chorando um pouquinho, principalmente quando eu canto músicas como Ex-amor, têm as que pulam de felicidade quando eu canto os sucessos. É muito bom”, complementa.

Aos 86 anos, o gás de Martinho ainda está longe de acabar. “Às vezes, eu falo que vou parar, vou dar um tempo do trabalho, vou ficar só escrevendo, mas, aí, as ideias vêm e acabo executando”, ite. Em 2022, o músico lançou o trabalho Mistura homogênea e chegou a afirmar que seria o último disco da carreira. A declaração, no entanto, não se realizou — o carioca tem mais um álbum a ser lançado, Martinho, violões e cavaquinhos, que está pronto e estreia ainda neste semestre. “Eu digo que vou parar, digo que não vou mais desfilar em escola de samba, mas acabo rompendo a palavra que eu dei para mim mesmo”, ri.

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postado em 09/04/2024 06:28 / atualizado em 09/04/2024 10:42
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