
Na virada de 1989, o Brasil parou em torno de um assassinato e ou dias debatendo o mistério sobre quem matou Odete Roitman. Morta na noite de Natal de 1988, a todo-poderosa empresária interpretada pela atriz Beatriz Segall (1926-2018) entrou para a história da teledramaturgia como a maior vilã de todos os tempos e coroou Vale tudo como "a novela das novelas".
Escrita por Gilberto Braga (1945-2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004), a produção exibida no horário das oito da TV Globo marcou época, virou referência para novas obras que vieram a seguir, tornou-se tema de teses acadêmicas, foi vendida para mais de 30 países e ganhou, em 2002, uma versão internacional produzida para o público latino nos Estados Unidos. Agora, quase quatro décadas depois, volta como a grande aposta para comemorar os 60 anos da emissora, em uma releitura adaptada por Manuela Dias — autora aclamada pela antologia Justiça. O remake estreia nesta segunda-feira (31/3), no horário nobre.
Contemporânea para a sua época, Vale tudo é uma novela que questiona a possibilidade de se dar bem no Brasil sendo honesto. A história é contada por meio da trajetória de Raquel e Maria de Fátima Accioly, mãe e filha que têm visões opostas sobre o caminho para se dar bem na vida e veem seus caminhos serem entrelaçados por Odete Roitman, uma mulher que representa uma elite autoritária e classista que despreza as minorias e os direitos humanos.
A reflexão lançada em 1988 permanece atual e será novamente o mote do remake, ambientado nos dias de hoje. "Ser honesto é algo atemporal, porque a ética não muda. É uma questão que continua totalmente pertinente e que precisa ser debatida", declarou a autora, que, no evento de
lançamento, realizado no Copacabana Palace, pediu a bênção dos criadores da obra original.
Representatividade
Protagonizada originalmente por Regina Duarte e Glória Pires, as personagens Raquel e Fátima serão defendidas, agora, por Taís Araújo e Bella Campos, respectivamente — atrizes que, ao contrário das ancestrais, são negras. Essa caracterização seria impensável na época, mas faz parte de uma nova política implementada pela emissora de valorização — e reparação — dos artistas com diferentes etnias no protagonismo. Para Manuela Dias, a heroína da história original "era branca pela nossa incapacidade social de dar o protagonismo para outra atriz preta".
Nessa nova versão, aliás, a produção aumentou consideravelmente o número de negros, que eram apenas dois na primeira montagem, em posições periféricas e estereotipadas. Agora, haverá, além das protagonistas, uma família 100% preta que pertence à classe média, e com formação superior. "Estamos fazendo a novela para o público de hoje. Para quem assistiu à primeira versão e para quem vai conhecer a história. Tivemos que acomodar as transformações, algumas discussões evoluíram. Hoje, ressignificamos e aprendemos muita coisa. Acatamos as mudanças desejosos de ter uma obra contemporânea, mas a história estará lá na íntegra", garantiu o diretor artístico, Paulo Silvestrini.
Entre algumas mudanças necessárias, destaca-se a sobrevida do casal lésbico Cecilia e Laís, que foi desfeito nos anos 1980 pelo tabu com a morte trágica da primeira, e a alteração da empresa Tomorrow para agência de conteúdo digital, em vez de uma revista de moda e estilo — inclusive, o sonho da alpinista social Maria de Fátima, agora, é ser influenciadora, e não mais modelo. No entanto, duas características essenciais de Vale tudo serão mantidas: o tema de abertura — Brasil, de Cazuza, na voz de Gal Costa (homenageada, aliás, com sua imagem encerrando a nova abertura) — e o logotipo originais. Ah, sim, e o gigolô maduro César Ribeiro, que vira a cabeça da filha de Raquel, agora vivido por Cauã Reymond, ará boa parte da trama usando apenas uma sunga — assim como seu antecessor, Carlos Alberto Riccelli.
"Para quem não viu, as histórias são vivas e, depois de 37 anos, a nossa expectativa é de que 40% do público terá tido contato com a obra original, mas a novela é feita para todos. É uma chance incrível, atualizada, com esse cheiro vintage compondo com todos os setores. Para quem viu, é como reencontrar um amigo: ele continua sendo seu amigo, mas o tempo fez o seu trabalho", garantiu Manuela Dias.
Odete Roitman, boazinha?
Uma das maiores expectativas para o remake está focado na arquivilã da história, que, agora, será interpretada pela veterana Debora Bloch. Para uma grande parcela do público que conhece — e defende como "imexível" — a obra original, a escolha de uma atriz parda para o papel de Maria de Fátima é controverso, já que ela se tornará nora de uma aristocrata racista. Mas a autora não considera a cor da pele da aprendiz de vilã um problema. "Acho que a Odete é uma personagem pragmática. Serve quem está a serviço dela para executar a agenda dela, e ela tem uma forte identificação com a Maria de Fátima, que supera essa questão racial", justificou.
Manuela Dias também causou polêmica ao apontar, em uma entrevista, que a megera imortalizada por Beatriz Segall poderia ser menos odiosa. "Vale tudo foi a novela da volta da democracia e, naquele momento, falar mal do Brasil, ou poder falar mal, era resistência, era revolucionário, era novo. Hoje não é mais. A gente está saturado disso. O novo é encontrar maneiras de transformação", ela declarou, à época. Criticada, voltou atrás, reafirmando que Odete jamais deixará de ser cruel. "'Odete Roitman vai ser boazinha'. Pô, claro que não", consertou.
Algumas coisas são certas em relação à personagem repaginada: a megera prepotente entrará na novela em uma volta triunfal ao Brasil declamando absurdos sobre o país e seus habitantes, infernizará a vida da filha alcoolista, Heleninha (Paolla Oliveira), envenenará a maionese que será servida pela sua antagonista Raquel — uma agem icônica da trama, que, assim como a maioria delas, será mantida — e será assassinada na reta final. Desta vez, porém, a assassina não será Leila, vivida por Cássia Kis e, agora, interpretada por Carolina Dieckmann. Uma nova autoria para o crime foi garantida pela emissora e, assim, desde já, as apostas estão lançadas: quem matará Odete Roitman em 2025?
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