
Não foi apenas uma vez que o diretor Wes Anderson competiu no Festival de Cannes, como recentemente, em que compareceu com O esquema fenício, filme que estreia hoje, nos cinemas, ados apenas cinco dias da consagração dos brasileiros Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho naquele evento. Wes Anderson já havia estado na meca do cinema com os longas Moonrise kingdom (2012), A crônica sa (2021) e Asteroid city (2023). Dono de oito indicações ao Oscar, Anderson ainda faturou, no Festival de Berlim, o Grande Prêmio do Júri, atribuído em Urso de Prata para o filme O grande hotel Budapeste (2014), sem contar o prêmio de melhor direção por Ilha dos cachorros (2018).
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Curiosamente, O esquema fenício — que trata de contravenção e afeição — tem algumas boas pitadas autobiográficas. "Pode ter algo a ver com o fato de eu ter uma filha", já avaliou o cineasta, em material de divulgação. O personagem central da trama, Zsa-zsa Korda, é interpretado por Benicio Del Toro, um magnata perseguido pela fortuna e que corre atrás de um herdeiro digno, em linhagem muito jovem de filhos. "Suponho que os aspectos de pai e filha (do filme) também refletem o pai da minha esposa Juman, Fouad Malouf, um empresário libanês, e as experiências dela com ele, e com as minhas também. De certa forma, ele é a primeira inspiração para o filme", avaliou Wes Anderson.
Num papel da estatura adequada a figurões como Lino Ventura e Anthony Quinn, com defendido pelo cineasta, Zsa-zsa é um patriarca, de mente iluminada (em muitos momentos guarda literatura voltada para história da arte, de botânica e engenharia e da lida com antiquários), ao mesmo tempo em que promove farta distribuição de granadas, para os que o cercam — até por iminente risco: as ameaças são recorrentes, e, por seis vezes, o bilionário industrial escapou de atentados.
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Pairam sobre a vida do empresário acusações de especulação, sonegação fiscal e suborno. Como espécie de testamento, ele pretende perpetuar o arcabouço de faturamento, colocando na linha de frente, uma potencial sucessora: a jovem Liesl, papel de Mia Threapleton (filha de Kate Winslet, na vida real). Um esquema que pode arruinar todo o poderio tem que ser estancado. Ao problema, soma-se a circulação entre um conjunto de personagens muito malucos e singulares. Nubar, um tio de Liesl, ganha vida por Benedict Cumberbatch, e suscita o comentário de Anderson: "É uma história tão conhecida que esses homens (como Nubar) negligenciem totalmente seus filhos, e, na mesma intensidade, esperem que eles (os filhos) alcancem mais do que seus colegas".
Um dos rigores do cinema de Wes Anderson, seu apreço estético, grita em O esquema fenício: Bruno Delbonnel (o francês de O fabuloso destino de Amélie Poulain e Eterno amor) assume a direção de fotografia e o sistemático designer de produção (dos longas de Wes Anderson), Adam Stockhausen, segue no batente. Vale lembrar que o filme é ambientado nos anos de 1950, e muito da ação transcorre na cadeia montanhosa do Cáucaso. Na ausência de cores, o preto e branco serve para o diretor reiterar flashbacks e delírios como os do eterno comediante Bill Murray interpretando Deus e F. Murray Abraham (na pele de um profeta) e mesmo um lampejo de Charlotte Gainsbourg à frente de figura importante. Numa piada mordaz, não são poucos os personagens masculinos que demarcam para Liesl: "Eu conheci sua mãe...".
Entre a imensa galeria de tipos presentes em O esquema fenício estão Riz Ahmed como o príncipe Farouk, Tom Hanks na pele de Leland, irmão de Reagan (papel de Bryan Cranston), um terrorista a cargo do ator Richard Ayoade; uma madre superiora feita por Hope Davis, e Michael Cera no papel de Bjorn, aparentemente um tutor para a jovem prole de Zsa-zsa Korda.