Desenvolvimento regional

Zona Franca do DF sob fogo cruzado

Texto propõe inclusão de 28 municípios de Goiás e quatro de Minas Gerais. Parlamentares alegam ameaça a modelo de Manaus

 Deputado José Nelto, autor do projeto da Zona Franca do DF, defende a adoção de modelo alternativo -  (crédito:  Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados)
Deputado José Nelto, autor do projeto da Zona Franca do DF, defende a adoção de modelo alternativo - (crédito: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados)

Parlamentares do Amazonas se articulam na Câmara para tentar barrar um projeto de 2019 que estabelece a criação da Zona Franca do Distrito Federal, nos moldes da que já existe em Manaus (AM) desde 1967. O texto, de autoria do deputado José Nelto (União Brasil-GO), já foi aprovado na Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (Cindre) da Câmara dos Deputados e será analisado pela Comissão de Finanças e Tributação da Casa.

A nova Zona Franca abrangeria também municípios do entorno do Distrito Federal, com isenções e benefícios que vigorariam por 25 anos a partir da aprovação da lei. A área seria de 20 quilômetros quadrados no DF e em cada município especificado na nova legislação. O texto propõe a inclusão de 28 municípios de Goiás e de quatro de Minas Gerais. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a região tem cerca de 4,5 milhões de habitantes.

Os municípios em Goiás são Abadiânia, Água Fria de Goiás, Alexânia, Alto Paraíso de Goiás, Alvorada do Norte, Barro Alto, Cabeceiras, Cavalcante, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Flores de Goiás, Formosa, Goianésia, Luziânia, Mimoso de Goiás, Niquelândia, Novo Gama, Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, São João d'Aliança, Simolândia, Valparaíso de Goiás, Vila Boa e Vila Propício de Nova Iguaçu. Já em Minas Gerais, seriam Arinos, Buritis, Cabeceira Grande e Unaí.

Para deputados do Amazonas, a criação da Zona Franca do DF seria uma ameaça à Zona Franca de Manaus. Eles defendem que a situação do planalto central difere muito daquela que ensejou a iniciativa em Manaus nos anos 1950, época em que o governo central buscava formas de melhor ocupar o território nacional, em especial na floresta amazônica, para incentivar seu desenvolvimento e comércio.

O deputado amazonense Pauderney Avelino (União Brasil-AM), que é correligionário do autor do projeto, anunciou que vai pleitear a relatoria para derrubar o texto. "Vou esperar o PL que cria uma nova Zona Franca no Distrito Federal chegar na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), da qual sou membro, para pedir a relatoria da matéria. Além de não haver previsão orçamentária para esta renúncia fiscal, o projeto não está em acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Trabalharemos para que esse PL não e desta comissão", disse o deputado.

Renúncia fiscal

Para o parlamentar, há uma questão fundamental que impediria o avanço do projeto: a falta de estimativa de renúncia fiscal no texto. O projeto de José Nelto apenas determina que será o Poder Executivo a estimar o montante da renúncia fiscal e a incluí-la no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). Especialistas em orçamento da Câmara ouvidos pelo Correio consideram baixas as chances de o texto avançar sem apresentar os cálculos de renúncia fiscal e sem explicar como se daria a compensação desses valores, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na justificativa do projeto, o autor afirma que a Zona Franca de Manaus é uma "experiência muito bem-sucedida na busca de novas estratégias de desenvolvimento regional no país". Argumenta, no entanto, que desde então houve poucos avanços no desenho de novas políticas de desenvolvimento regional. Para José Nelto, o projeto traria desenvolvimento econômico para a região.

Ao Correio, ele disse que não tem o menor interesse em prejudicar a Zona Franca de Manaus e está aberto a dialogar com os colegas amazonenses para chegar a um acordo. "Não é o objetivo nosso em hora nenhuma prejudicar a Zona Franca de Manaus. Eu estou aberto para modificar o texto, até porque nós temos aqui em Brasília e no Entorno quase uma cidade de Manaus. Porque recebemos brasileiros de todos os estados da federação. E não há indústria nenhuma, não há incentivo para a industrialização de Brasília e seu Entorno", afirmou.

"De todo o Entorno do DF, que tem quase a população de Manaus e ele atende uma região esquecida de Minas Gerais, que não tem industrialização, que é a região de Unaí, Paracatu. Atende três estados no entorno de Brasília, o pessoal da Ride (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal, que inclui 34 municípios de Goiás e Minas Gerais, a maioria contemplada no projeto de Nelto)", pontuou o parlamentar.

Pacto federativo

Para Nelto, esta é uma oportunidade de rediscutir, também, a Zona Franca de Manaus. "Temos três unidades da federação envolvidas: o estado de Minas Gerais, Goiás e o Distrito Federal. Eu estou aberto para conversar. Agora, dizer que não vai aceitar, não é assim. É hora de ter o debate. É o momento de rediscutir o pacto federativo da Zona Franca de Manaus também. (…) Por que só lá (em Manaus) pode ter? Nenhum outro estado da federação pode ter? Lá é o modelo, nós podemos adotar outro modelo", afirmou José Nelto.

A discussão sobre a Zona Franca de Manaus deu os primeiros os depois da apresentação, em 1951, de um projeto do então deputado federal Francisco Pereira da Silva (1890-1973), que propunha a criação de um porto franco na capital do Amazonas. A ideia da Zona Franca, no entanto, só foi concretizada em 1957, por meio de outro projeto, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo então presidente Juscelino Kubitschek.

A Zona Franca foi ampliada dez anos depois, em 1967, quando ou a ser definida por lei como um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas especiais, que permitissem seu desenvolvimento, já que a região era isolada. Foi em 1968 que os benefícios foram estendidos aos bens e mercadorias fabricados na região.

O prazo original da vigência da Zona Franca de Manaus era até 1997, mas nos anos 1980, foi prorrogado por mais dez anos. Uma nova prorrogação veio no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Em 2014, a vigência foi novamente prorrogada, desta vez por mais 50 anos. Valerá, portanto, até 2073.

Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de abril de 2019, a Zona Franca de Manaus promoveu o crescimento da renda per capita acima da média nacional desde sua implementação. O estudo destaca que, em 2010, a renda per capita de São Paulo era de R$ 30 mil, o equivalente a 1,8 vezes a do Amazonas, que era de R$ 17 mil. No início da Zona Franca de Manaus, em 1970, a renda per capita de São Paulo era sete vezes maior que a do estado amazonense. "Houve, assim, relevante redução da diferença de renda per capita entre o Amazonas e os estados mais ricos do país", diz o estudo, intitulado "Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades".

 

postado em 05/05/2025 03:55
x