
Pesquisadora aponta falha nos itinerários formativos do Novo Ensino Médio
Alessandra Moulin, que defendeu tese de doutorado este mês, levanta falhas no modelo de itinerários e na garantia de ensino adaptado para as realidades docentes no novo ensino médio
Artur Maldaner
“As questões estruturais das escolas não permitem que os itinerários sejam colocados em prática da forma que foram pensados”, afirma a pesquisadora Maria Alessandra Lima Moulin, 48 anos, que defendeu tese de doutorado, este mês, sobre a implementação de itinerários formativos nas escolas públicas do Acre, do Ceará e do Distrito Federal. A pesquisa de Alessandra aponta — e compara— os problemas de criação dos itinerários em regiões menos privilegiadas do país e como a estrutura educacional da rede pública brasileira não é adequada para as matérias opcionais. Portanto, Alessandra comenta que a nova resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologada pelo Ministério da Educação, que institui os parâmetros curriculares dos itinerários, não será eficaz em garantir educação formativa.
A pesquisadora não acredita na forma como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Novo Ensino Médio foi estruturada. Para ela, os itinerários causaram impacto negativo no o à educação do país, devido à disparidade estrutural das instituições de ensino, fato observado no seu período de pesquisa. Ela explica que a falta de professores e espaços educacionais impedem a consolidação dos itinerários e de seu propósito original, que era de uma adaptação educacional da necessidade individual do educando.
Na pesquisa desenvolvida, foi verificada a realidade de ofertas dos itinerários e que, muitas vezes, as escolas selecionam os conteúdos que serão abordados com uma pesquisa entre os alunos, e o itinerário mais votado é o que será lecionado. “Olha o absurdo disso, não estou te falando algo fictício, isso tem acontecido na realidade das escolas,” afirma Alessandra. A pesquisadora explica que as ementas, muitas vezes, são formuladas pelas secretarias de educação dos estados, em vez dos professores que acompanham o dia a dia escolar, de forma que o modelo não se adeque com a estrutura pedagógica do país, mesmo com novos debates e implementações do CNE.
Na resolução n°4 de 13 de maio de 2025, o CNE propõe o aprofundamento da formação de estudantes de ensino médio, por meio de parâmetros curriculares bem definidos para cada área do conhecimento, além de melhorias nos espaços educacionais e formação de professores. Alessandra defende que a visão do CNE é utópica e que, apesar da diminuição da carga horária mínima dos itinerários para 600 horas semestrais, o que reduz a fragmentação curricular, a realidade do país ainda não condiz com o planejamento do Conselho Nacional de Educação.
“Pela pesquisa que eu desenvolvi, vi que temos uma diferença muito grande entre as escolas da Secretaria de Educação das regiões que observei. No Acre, mais de 70% das escolas de ensino médio estão nas áreas rurais, e dentro dessa realidade nós temos escolas que não tem sequer um pátio, que não tem um laboratório”, destaca a pedagoga. Ela também defende que as novas iniciativas do CNE ainda seguem a lógica da Base Nacional Comum Curricular, na qual as resoluções governamentais ficam em um meio termo entre currículo efetivo e diretriz curricular, impedindo a flexibilidade efetiva das ementas para a realidade de cada instituição escolar.
A especialista explica que os itinerários formativos foram criados em 2017, na idealização do Novo Ensino Médio e que, na época, a implementação não teve a discussão devida com a comunidade educacional. Porém, acredita que os projetos do CNE estão começando a se mostrar mais democráticos: “Ano ado, a gente percebeu uma abertura maior de discussão, envolvendo várias entidades, e isso é imprescindível quando a gente vai pensar em política pública e, principalmente, numa política curricular, que vai impactar diretamente a realidade da população como um todo. Então, o que eu percebo é que já existe um caminhar mais democrático", aponta.
Alessandra também critica o papel da mídia no processo de criação do Novo Ensino Médio, que ressalta os itinerários formativos como uma boa ferramenta para a juventude, que seria preparada para o mercado de trabalho. No entanto, essa noção ignora a educação como princípio da formação humana e cria disparidade entre o ensino público e particular, que já é mais voltado para ingresso no mercado de trabalho. “No ensino médio, o trabalho deve ser visto como princípio educativo, para que essa essa juventude se veja dentro de um grupo social. Não devemos adequar a forma de organizar e estruturar o ensino para atender um mercado de trabalho presumido", expõe.
Estagiário sob a supervisão de Ana Sá