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E nenhum deles ocorreu por acaso. Cada parte que sustenta a carreira na academia foi constru&iacute;da com a mesma resili&ecirc;ncia e a determina&ccedil;&atilde;o que ergueram a f&aacute;brica de farinha de seus pais e as paredes de palha de arroz com barro da casa onde morava com os irm&atilde;os. Fam&iacute;lia negra, de ra&iacute;zes nordestinas que florescem at&eacute; hoje, encontrou na educa&ccedil;&atilde;o o caminho para uma transforma&ccedil;&atilde;o que parecia imposs&iacute;vel. &Eacute; nessa origem que a&nbsp;Professora titular da Universidade de Bras&iacute;lia (UnB), recentemente reconduzida ao cargo de diretora da Faculdade de Comunica&ccedil;&atilde;o (FAC), encontrou o e e a inspira&ccedil;&atilde;o para lutar, durante duas d&eacute;cadas, pela pol&iacute;tica de cotas que se tornou realidade &iacute;vel a toda uma na&ccedil;&atilde;o.</p> <p class="texto">Dione concluiu a gradua&ccedil;&atilde;o em jornalismo na Universidade Federal de Goi&aacute;s (UFG), na sua terra natal, a capital goiana. Mas conta que a origem nordestina dos pais ainda &eacute; a refer&ecirc;ncia mais presente. &ldquo;Sou goiana, mas uma goiana muito nordestina, nesse sentido da cultura. O modo de pensar, os meus ditados populares, a minha religiosidade, meu modo de viver. E um jeito um bocado calmo de olhar as coisas tamb&eacute;m. O nordestino tem isso&rdquo;, observa a diretora.</p> <p class="texto">A vinda para Bras&iacute;lia foi motivada tamb&eacute;m pelos estudos. Cursou na UnB a especializa&ccedil;&atilde;o em jornalismo pol&iacute;tico. Sob a orienta&ccedil;&atilde;o do professor Carlos Chagas, escreveu a monografia Cl&aacute;udio Abramo: O profeta solit&aacute;rio. &ldquo;J&aacute; eram os primeiros os na pesquisa, me colocando no campo do jornalismo de tem&aacute;ticas sociais. No caso, Cl&aacute;udio Abramo, Profeta Solit&aacute;rio, defendendo um jornalismo democr&aacute;tico em pleno per&iacute;odo militar&rdquo;, explica Dione.</p> <p class="texto">No mestrado, um trabalho que marcou a hist&oacute;ria da produ&ccedil;&atilde;o acad&ecirc;mica nacional. A disserta&ccedil;&atilde;o A Constru&ccedil;&atilde;o da Mem&oacute;ria e da Identidade em Filmes de Cineastas Negros Brasileiros foi a primeira sobre o tema na hist&oacute;ria das pesquisas em comunica&ccedil;&atilde;o. &ldquo;Meu trabalho &eacute; citado como a primeira disserta&ccedil;&atilde;o sobre cinema feito por cineastas negros. Um trabalho que me colocou j&aacute; no caminho que vai dobrar l&aacute; adiante, com as cotas.&rdquo;</p> <p class="texto">Outro dos projetos motivo de orgulho teve como foco jornalismo, ci&ecirc;ncia e meio ambiente. O objetivo era descobrir qual a maior contribui&ccedil;&atilde;o da UnB para a popula&ccedil;&atilde;o do Distrito Federal. &ldquo;Naquela ocasi&atilde;o, nos anos 1990, eu identifiquei que a principal contribui&ccedil;&atilde;o da UnB era para os estudos sobre o cerrado. E uma das personagens que identifiquei &agrave; &eacute;poca &eacute; a hoje presidenta da Capes, a professora Mercedes Bustamante&rdquo;, relata Dione.</p> <p class="texto">Um pouco antes do in&iacute;cio do doutorado veio a aprova&ccedil;&atilde;o no concurso para professora da UnB, em 1995. &ldquo;E continuei pesquisando, sempre nessa tem&aacute;tica de jornalismo e sociedade, jornalismo cient&iacute;fico, jornalismo ambiental, jornalismo e identidade racial, jornalismo e g&ecirc;nero. Ou seja, sempre no campo da comunica&ccedil;&atilde;o e para qu&ecirc; a comunica&ccedil;&atilde;o existe, o que ela pode fazer.&rdquo;</p> <p class="texto">&ldquo;Sempre discordei da ideia de que um jornalista n&atilde;o afeta a vida das pessoas. Eu sempre dizia que um jornalista afeta a vida de uma pessoa tanto quanto um m&eacute;dico pode afetar; tanto quanto um engenheiro que constr&oacute;i um pr&eacute;dio, se ele vier a ter um problema estrutural, vai afetar&rdquo;, reflete a docente, que participou da cobertura da Constituinte no fim da d&eacute;cada de 1980 e tentou levar esse olhar problematizador &agrave;s reportagens. &ldquo;Eu sempre tive essa preocupa&ccedil;&atilde;o na minha atua&ccedil;&atilde;o como jornalista, como professora de jornalismo, como pesquisadora de jornalismo: uma preocupa&ccedil;&atilde;o com os impactos da produ&ccedil;&atilde;o noticiosa.&rdquo;&nbsp;</p> <h3>Doc&ecirc;ncia</h3> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/10/675x450/1_1-32121826.jpg" width="675" height="450" layout="responsive" alt="Professora Dione Oliveira Moura"></amp-img> <figcaption> Kayo Magalhaes/CB - <b>Professora Dione Oliveira Moura</b></figcaption> </div></p> <p class="texto">A revista <em>Campus Rep&oacute;rter</em>, produzida por estudantes de jornalismo da UnB, &eacute; outro projeto que orgulha Dione. As reportagens especiais que aram pelas p&aacute;ginas da publica&ccedil;&atilde;o j&aacute; renderam pr&ecirc;mios, e a reda&ccedil;&atilde;o da revista se tornou um laborat&oacute;rio de forma&ccedil;&atilde;o de profissionais reconhecidos no mercado. &ldquo;Ali exerci as fun&ccedil;&otilde;es de editora, professora e jornalista. Uma experi&ecirc;ncia riqu&iacute;ssima, em que formamos jornalistas que hoje se destacam e que aram pela escola de reportagem que &eacute; a revista <em>Campus Rep&oacute;rter</em>&rdquo;, avalia.</p> <p class="texto">&ldquo;Nesse sentido, nunca deixei de ser jornalista, porque a minha atua&ccedil;&atilde;o como professora &eacute; uma atua&ccedil;&atilde;o como uma jornalista que &eacute; professora.&rdquo; A pandemia foi um cap&iacute;tulo &agrave; parte na carreira da professora. &ldquo;Foi um momento em que me vesti novamente e muito fortemente no lugar de jornalista&rdquo;, revela. Editoras, editores, diretoras, diretores e rep&oacute;rteres sentavam-se na cadeira virtual todos os dias para discutir a produ&ccedil;&atilde;o jornal&iacute;stica sobre o coronav&iacute;rus e a covid-19. Equipes do Brasil e de fora, incluindo pesquisadores, pediam indica&ccedil;&otilde;es, conselhos e trocavam experi&ecirc;ncias. &ldquo;Pessoas que n&atilde;o sabiam como chegar &agrave; imprensa para dar a pior das not&iacute;cias, a que ningu&eacute;m quer ouvir: que n&atilde;o era em uma semana, nem em 15 dias, nem em 30, nem em 60, nem em 90 e nem um ano que tudo acabaria. Ent&atilde;o, foi um momento em que eu voltei o meu esp&iacute;rito e a minha viv&ecirc;ncia de jornalista para saber fazer essa ponte.&rdquo;</p> <ul> <li><a href="http://labaudio.unb.br/index.php?option=com_content&amp;view=article&amp;id=15&amp;Itemid=820">Ou&ccedil;a a audiobiografia premiada sobre a professora Dione Moura</a></li> </ul> <p class="texto">Dione havia trabalhado, na d&eacute;cada de 1990, em um projeto de comunica&ccedil;&atilde;o e sa&uacute;de, da Faculdade de Ci&ecirc;ncia e Sa&uacute;de da UnB. O faro jornal&iacute;stico e a experi&ecirc;ncia com o tema a fizeram perceber, logo que viu as primeiras not&iacute;cias vindas da China, que o avan&ccedil;o da doen&ccedil;a que se alastrava pelo pa&iacute;s asi&aacute;tico seria devastador. &ldquo;Eu tinha a op&ccedil;&atilde;o de simplesmente colocar a minha m&aacute;scara esperando a pandemia ar&rdquo;, observa Dione, que conta ter feito a escolha oposta por ser a forma que decidiu guiar a pr&oacute;pria carreira: &ldquo;Meu modo de lidar com a doc&ecirc;ncia &eacute; uma doc&ecirc;ncia muito comprometida com o contexto, com o impacto da doc&ecirc;ncia e o impacto do jornalismo&rdquo;. &ldquo;Foi desafiador e enriquecedor ao mesmo tempo, no sentido de que, se voc&ecirc; est&aacute; na universidade, o impacto da sua a&ccedil;&atilde;o &eacute; muito grande, e o impacto da sua omiss&atilde;o tamb&eacute;m&rdquo;, ensina.<br /></p> <p class="texto">E essa forma de enxergar a profiss&atilde;o &eacute; tamb&eacute;m o que motiva a professora e a faz se sentir realizada. &ldquo;&Eacute; como colocou Darcy para n&oacute;s, de ter a sociedade brasileira como o nosso lugar de transforma&ccedil;&atilde;o, de contribui&ccedil;&atilde;o. Esse &eacute; o meu modo de ser, e ele tem raiz em toda a minha exist&ecirc;ncia.&rdquo;</p> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/09/dione_moura_3-32081368.jpeg" width="1200" height="1600" layout="responsive" alt="Professora Dione Moura"></amp-img> <figcaption>Arquivo pessoal - <b>Professora Dione Moura</b></figcaption> </div></p> <h3>O pote de ouro</h3> <p class="texto">Ainda na inf&acirc;ncia, Dione fez uma grande descoberta. E foi o ensinamento do pai, o piauiense Diocleciano, e a perseveran&ccedil;a da m&atilde;e, a baiana Mouran&iacute;sia, que permitiram esse esclarecimento. &ldquo;Minha m&atilde;e nasceu em 1929 e meu pai, em 1927. Eles nasceram uma d&eacute;cada e meia depois da seca de 1915, em plena aridez, pico dessa estiagem. Ent&atilde;o, eles trouxeram um pouco dessa sobreviv&ecirc;ncia e tamb&eacute;m da no&ccedil;&atilde;o de que a educa&ccedil;&atilde;o era o caminho para sair disso&rdquo;, relata a professora.</p> <p class="texto">Eles pr&oacute;prios s&oacute; fizeram o ensino b&aacute;sico, mas sa&iacute;ram da primeira s&eacute;rie com uma ampla forma&ccedil;&atilde;o cultural e a caligrafia &ldquo;majestosa&rdquo;, conforme define a filha ca&ccedil;ula. &ldquo;Ambos tinham uma caligrafia muito bonita, uma f&eacute; na cultura e na educa&ccedil;&atilde;o como lugar de realiza&ccedil;&atilde;o, como lugar de voc&ecirc; crescer e ser algu&eacute;m. E isso &eacute; algo que carreguei comigo&rdquo;, garante.</p> <p class="texto">Na formatura no Jardim de Inf&acirc;ncia de uma das filhas do meio, Seu Doca, pouco antes de morrer, comprou um presente especial: um anel de ouro cravejado com um pequeno rubi. &ldquo;Fa&ccedil;a essa conta: quanto valeu esse anel para ele? Nessa &eacute;poca, a nossa casa era numa rua sem asfalto, em ch&atilde;o batido, a parede n&atilde;o tinha pintura e era de palha de arroz com barro. N&atilde;o tinha forro e o fog&atilde;o era &agrave; lenha&rdquo;, contextualiza Dione.</p> <p class="texto">&ldquo;Essa foi uma das &uacute;ltimas coisas que ele fez por n&oacute;s, deixou essa mem&oacute;ria: &lsquo;Olha onde est&aacute; a riqueza; a riqueza que eu vou deixar para voc&ecirc; &eacute; um diploma&rsquo;. Ent&atilde;o, embora ele tenha ficado pouco tempo com a gente, construiu esse ide&aacute;rio da educa&ccedil;&atilde;o como o lugar onde est&atilde;o os potes de ouro&rdquo;, emociona-se a professora, que hoje &eacute; casada e tem cinco filhos e uma neta.</p> <p class="texto">Ca&ccedil;ula de seis irm&atilde;os, Dione perdeu, com a diferen&ccedil;a de cerca de um m&ecirc;s, o irm&atilde;o mais velho &mdash; filho de um relacionamento anterior do pai &mdash;, v&iacute;tima da epidemia de meningite dos anos 1970; e o pr&oacute;prio pai, por problema card&iacute;aco. Seu Doca deixou como heran&ccedil;a uma f&aacute;brica de farinha em Goi&acirc;nia.</p> <p class="texto">Dona Mourinha assumiu o neg&oacute;cio depois de vi&uacute;va, contando com a ajuda de um tio de Dione, mas em seguida ele tamb&eacute;m faleceu. Restaram duas fam&iacute;lias &oacute;rf&atilde;s de pai para as matriarcas sustentarem sozinhas. Dona Mourinha vendeu motor e pe&ccedil;as da f&aacute;brica para garantir a comida dos filhos. Pegou o caderninho do marido e saldou todas as d&iacute;vidas da empresa antes de fech&aacute;-la em definitivo. Juntou dinheiro para comprar uma m&aacute;quina de costura, que garantiu o sustento da fam&iacute;lia por um bom tempo. &ldquo;Voc&ecirc;s v&atilde;o estudar, voc&ecirc;s v&atilde;o estudar&rdquo;, era o mantra que repetia a todo o tempo.</p> <p class="texto">N&atilde;o era esperado que os filhos de uma mulher negra vi&uacute;va estudassem. Nem que virassem m&eacute;dico, engenheiro, professora, advogada e psic&oacute;loga, como aconteceu. &ldquo;Goi&acirc;nia era uma cidade culturalmente endurecida, preconceituosa mesmo&rdquo;, observa Dione. O que esperava-se de uma mulher na situa&ccedil;&atilde;o de Dona Mourinha era que entregasse os filhos para outras fam&iacute;lias, o que significava que ariam a exercer tarefas dom&eacute;sticas ainda na inf&acirc;ncia e na adolesc&ecirc;ncia. &ldquo;A toda hora chegavam pessoas e a gente ouvia: &lsquo;Posso pegar filha para cuidar?&acute;&rsquo;, conta Dione. &ldquo;Era muito frequente, e eu via que ela reagia como uma leoa e falava: &lsquo;N&atilde;o! Meus filhos todos v&atilde;o estudar&rsquo;&rdquo;. E as palavras de Mouran&iacute;sia se escreveram. Ela morreu h&aacute; cinco anos, depois de conseguir viver com sa&uacute;de e fazer tantas das coisas que lhe davam prazer, das viagens &agrave; i&ocirc;ga.</p> <h3>Boa aprendiz</h3> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/09/675x450/1_dione_moura_2-32121531.jpeg" width="675" height="450" layout="responsive" alt="Dione, ao centro, com os pais, tr&ecirc;s irm&atilde;os e um amigo da fam&iacute;lia; ao lado, com a neta na posse como diretora da FAC/UnB"></amp-img> <figcaption>Fotos: Arquivo pessoal - <b>Dione, ao centro, com os pais, tr&ecirc;s irm&atilde;os e um amigo da fam&iacute;lia; ao lado, com a neta na posse como diretora da FAC/UnB</b></figcaption> </div></p> <p class="texto">Mais do que tornar-se algu&eacute;m, Dione levou t&atilde;o a s&eacute;rio o ensinamento e o exemplo dos pais que enfrentou como uma miss&atilde;o o desafio de alavancar outras pessoas como ela ao lugar que a sociedade dizia e repetia que n&atilde;o pertenciam. &ldquo;Eu trabalho para que mais pessoas tenham a educa&ccedil;&atilde;o como um lugar de ser algu&eacute;m. Isso envolve uma educa&ccedil;&atilde;o que eu procuro que seja inclusiva, no sentido de dar uma aten&ccedil;&atilde;o especial para estudantes que estejam com alguma dificuldade: parar, conversar, perguntar, ver se est&aacute; precisando de uma bolsa, indicar, propor um projeto de pesquisa&rdquo;, elenca.</p> <p class="texto">E, como ca&ccedil;ula comprometida, Dione fez da pr&oacute;pria carreira o caminho para cumprir a miss&atilde;o que o pai deixou: &ldquo;Cada vez que eu vejo um estudante que eu formei na gradua&ccedil;&atilde;o, na p&oacute;s, no mestrado, no doutorado ou na supervis&atilde;o de p&oacute;s-doutorado encontrando o seu pote de ouro e percebo que fiz parte disso, eu me sinto realizada&rdquo;.</p> <p class="texto">Durante a carreira de professora, j&aacute; participou de mais de 200 bancas de trabalhos de conclus&atilde;o de curso (TCC) e tantas outras cerim&ocirc;nias de apresenta&ccedil;&atilde;o de mestrado e de doutorado. H&aacute; 20 anos, Dione foi<br />coorganizadora do evento de cria&ccedil;&atilde;o da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor),<br />com a equipe pioneira. Este ano, o evento ocorreu&nbsp;na FAC e Dione foi homenageada.</p> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/10/600x412/1_20231109151539_img_4118-32105604.jpg" width="600" height="412" layout="responsive" alt=" 10/11/2023,. Trabalho e Forma&ccedil;ao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura"></amp-img> <figcaption> Kayo Magalhaes/CB - <b> 10/11/2023,. Trabalho e Forma&ccedil;ao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura</b></figcaption> </div></p> <p class="texto">"Consegui, conseguimos, eu, meus irm&atilde;os escaparmos da linha de for&ccedil;a da hist&oacute;rica discrimina&ccedil;&atilde;o racial, fruto do processo escravagista colonial, prescrevia: n&oacute;s dever&iacute;amos falhar, dever&iacute;amos perder, n&atilde;o dever&iacute;amos, n&oacute;s crian&ccedil;as negras &oacute;rf&atilde;s, dizia &lsquo;o destino&rsquo;, n&atilde;o dev&iacute;amos termos o &agrave; educa&ccedil;&atilde;o, &agrave; sa&uacute;de, ao trabalho, &agrave; vida digna - pauta fundamental se pensarmos na Declara&ccedil;&atilde;o Universal dos Direitos Humanos", escreveu Dione em20 anos de SBPJor e <em>20 anos de cotas UnB: uma trajet&oacute;ria afrocentrada em defesa do jornalismo de qualidade e da inclus&atilde;o</em>, um dos textos que integra a colet&acirc;nea <em><a href="https://site.sbpjor.org.br/wp-content/s/2023/11/ENTRE-CRISES-E-RECONSTRUCOES-_-A-PESQUISA-EM-JORNALISMO-20-ANOS-DEPOIS_2023.pdf">Entre crises e (re)Constru&ccedil;&otilde;es: a pesquisa em jornalismo 20 anos depois</a></em>, que celebra os 20 anos da SBPJor.</p> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/10/20231109151349_img_4110-32105571.jpg" width="675" height="449" layout="responsive" alt=" 10/11/2023,. Trabalho e Forma&ccedil;ao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura"></amp-img> <figcaption> Kayo Magalhaes/CB - <b> 10/11/2023,. Trabalho e Forma&ccedil;ao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura</b></figcaption> </div></p> <p class="texto"><div> <amp-img src="https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/09/675x450/1_dione_moura-32121850.jpeg" width="675" height="450" layout="responsive" alt="H&aacute; 20 anos, Dione foi coorganizadora do evento de cria&ccedil;&atilde;o da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), com a equipe que aparece na foto abaixo. Acima, com os organizadores da edi&ccedil;&atilde;o deste ano, na FAC, onde foi homenageada."></amp-img> <figcaption>Arquivo pessoal - <b>H&aacute; 20 anos, Dione foi coorganizadora do evento de cria&ccedil;&atilde;o da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), com a equipe que aparece na foto abaixo. Acima, com os organizadores da edi&ccedil;&atilde;o deste ano, na FAC, onde foi homenageada.</b></figcaption> </div></p> <h3>&ldquo;Eu n&atilde;o disse que ia dar certo?&rdquo;</h3> <p class="texto">&ldquo;Todo esse desejo de que a educa&ccedil;&atilde;o fosse um lugar para as pessoas se tornarem mais donas de si se materializou no projeto de cotas&rdquo;, afirma a diretora da FAC/UnB, Dione Moura, que foi a relatora da proposta pioneira aprovada pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extens&atilde;o (Cepe) em 2003. A UnB foi a primeira federal a instituir o sistema de cotas para negros e ind&iacute;genas.</p> <p class="texto">Hoje, ela e os quatro irm&atilde;os s&atilde;o formados e t&ecirc;m carreiras consolidadas. Mas essa n&atilde;o foi a realidade de vizinhos e colegas de escola. Nesse sentido, um momento da inf&acirc;ncia em especial marcou a vida da professora. Um grupo de estudantes da terceira s&eacute;rie, que nem eram seus amigos pr&oacute;ximos, juntaram todas as moedas que tinham e a presentearam com um como. &ldquo;Eles falaram assim: &lsquo;Porque voc&ecirc; vai conseguir&rsquo;. Eles entendiam que a rede que minha m&atilde;e criava ia fazer a diferen&ccedil;a, e eles n&atilde;o tinham essas mesmas condi&ccedil;&otilde;es&rdquo;, revela.</p> <p class="texto">Cena que se uniu a tantas outras que fizeram parte do cotidiano da jovem goiana de cora&ccedil;&atilde;o nordestino. Na hora do recreio, um menino preto brincava e era observado de longe pela m&atilde;e solo, que carregava no olhar a melancolia de saber que ele nunca conseguiria chegar ao topo. &ldquo;Ele n&atilde;o vai conseguir, porque a sociedade n&atilde;o vai deixar. Ele ser&aacute; perseguido, isolado&rdquo;, pensava a professora, que &agrave; &eacute;poca tinha apenas 9 anos. &ldquo;Quando eu chego para as cotas, esses colegas todos tinham se perdido, e eu sabia que eles tinham se perdido pelo racismo estrutural. Hoje, poderiam ser engenheiros, m&eacute;dicos, bi&oacute;logos, cientistas, empreendedores, empres&aacute;rios&rdquo;, elenca.</p> <p class="texto">Os 10 anos seguintes &agrave; aprova&ccedil;&atilde;o das cotas na UnB foram de muita luta e uma defesa cont&iacute;nua da proposta: em f&oacute;runs, no Senado, na C&acirc;mara, em debates. &ldquo;Durante uma d&eacute;cada, a gente tinha um plant&atilde;o de 24 horas &mdash; jur&iacute;dico, epistemol&oacute;gico, te&oacute;rico, filos&oacute;fico &mdash; defendendo a pol&iacute;tica de inclus&atilde;o&rdquo;, diz. E Dione era a melhor defensora poss&iacute;vel, pois se sentia a prova viva da capacidade de meninas e de meninos negros da periferia.</p> <p class="texto">O edital de o &agrave; universidade por meio do sistema de cotas, elaborado com dezenas de contribui&ccedil;&otilde;es e revis&otilde;es, n&atilde;o teve uma linha questionada durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). &ldquo;N&oacute;s nos dedicamos a isso: a conseguir estruturar um edital com tal legitimidade e legalidade, com tal grau de constitucionalidade que se tornasse inquestion&aacute;vel.&rdquo;</p> <p class="texto">Neste M&ecirc;s da Consci&ecirc;ncia Negra, no mesmo ano em que o sistema de cotas da UnB completa duas d&eacute;cadas, a pol&iacute;tica nacional de cotas a por uma revis&atilde;o que traz avan&ccedil;os para a popula&ccedil;&atilde;o negra. Amanh&atilde;, o presidente Lula sanciona o Projeto de Lei n&ordm; 5.384/2020, que atualiza a Lei de Cotas. Se Dione pudesse resumir em uma frase o sentimento que fica de todo o processo seria: &ldquo;Eu n&atilde;o disse que ia dar certo?&rdquo;</p> <p class="texto">Mas a professora avalia que a sociedade brasileira ainda est&aacute; longe de chegar a um ponto de Justi&ccedil;a. O argumento de que as cotas comprometeriam a qualidade da universidade caiu por terra com a implanta&ccedil;&atilde;o do sistema. Os dados do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade) divulgados no in&iacute;cio do m&ecirc;s refor&ccedil;am a qualidade dos cursos da UnB. O que &eacute; dirigido por Dione, inclusive, obteve nota m&aacute;xima na avalia&ccedil;&atilde;o.</p> <ul> <li><a href="https://www.camara.leg.br/radio/programas/974690-mulheres-negras-e-cotas-na-universidade/">Mulheres negras e cotas na universidade: reportagem especial com a participa&ccedil;&atilde;o de Anielle Franco</a></li> </ul> <p class="texto">&ldquo;&Eacute; hora de a sociedade olhar e pensar: &lsquo;E agora? Vou ter que tirar o meu chap&eacute;u do preconceito e vestir o chap&eacute;u da inclus&atilde;o&rdquo;, refor&ccedil;a. &ldquo;Existe um cansa&ccedil;o social de sustentar tanto preconceito&rdquo;, analisa a professora. &ldquo;De alguma forma existe no inconsciente coletivo esse desejo de deixar de ser um pa&iacute;s t&atilde;o embasado nessa mem&oacute;ria da senzala e tornar-se um pa&iacute;s mais humano.&rdquo;<br /></p> <p class="texto">Como boa professora, Dione finaliza o racioc&iacute;nio com uma met&aacute;fora sobre o papel da universidade no impulsionamento das mudan&ccedil;as sociais. Nesse processo das cotas, ela compara a universidade ao copiloto de um carro &mdash; o Brasil. O que essas institui&ccedil;&otilde;es fizeram, portanto, foi despertar a consci&ecirc;ncia hist&oacute;rica do motorista e mostrar a chaga deixada pela escravid&atilde;o de negros e de ind&iacute;genas, mas que havia chegado o momento de deixar para tr&aacute;s a estrada da exclus&atilde;o e pisar no acelerador. &ldquo;Vamos agora pegar a estrada da inclus&atilde;o e trazer de volta aqueles que a gente abandonou e jogou para fora do nosso carro.&rdquo;</p> <h3>Para ler</h3> <p class="texto"><em><strong><a href="https://loja.editora.unb.br/historia/va-no-seu-tempo-e-va-ate-o-final--mulheres-negras-cotistas-no-marco-dos-60-anos-da-unb-1919/p">V&aacute; no seu tempo e v&aacute; at&eacute; o final: Mulheres negras cotistas no marco dos 60 anos da UnB</a></strong></em></p> <p class="texto"><strong>Organiza&ccedil;&atilde;o:</strong> Dione Moura e Deborah Santos<br />Editora UnB, R$ 106</p>", "isAccessibleForFree": true, "image": { "url": "https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jpg/2023/11/10/675x450/1_20231109152118_img_4160-32105753.jpg?20231112125950?20231112125950", "width": 820, "@type": "ImageObject", "height": 490 }, "author": [ { "@type": "Person", "name": "Mariana Niederauer" } ], "publisher": { "logo": { "url": "https://image.staticox.com/?url=http%3A%2F%2Fimgs2.correiobraziliense.com.br%2Famp%2Flogo_cb_json.png", "@type": "ImageObject" }, "name": "Correio Braziliense", "@type": "Organization" } } 2r601k

Eu, Estudante 48p1u

NOSSOS MESTRES

Dione Moura: a professora que transformou a vida de jovens negros no país 42m1q

Diretora da Faculdade de Comunicação da UnB, Dione Moura, trabalhou na linha de frente para aprovação e defesa do sistema de cotas e ajudou a transformar a realidade dos jovens negros no país 392x1s

A trajetória da professora Dione Moura é feita de pioneirismos. E nenhum deles ocorreu por acaso. Cada parte que sustenta a carreira na academia foi construída com a mesma resiliência e a determinação que ergueram a fábrica de farinha de seus pais e as paredes de palha de arroz com barro da casa onde morava com os irmãos. Família negra, de raízes nordestinas que florescem até hoje, encontrou na educação o caminho para uma transformação que parecia impossível. É nessa origem que a Professora titular da Universidade de Brasília (UnB), recentemente reconduzida ao cargo de diretora da Faculdade de Comunicação (FAC), encontrou o e e a inspiração para lutar, durante duas décadas, pela política de cotas que se tornou realidade ível a toda uma nação.

Dione concluiu a graduação em jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFG), na sua terra natal, a capital goiana. Mas conta que a origem nordestina dos pais ainda é a referência mais presente. “Sou goiana, mas uma goiana muito nordestina, nesse sentido da cultura. O modo de pensar, os meus ditados populares, a minha religiosidade, meu modo de viver. E um jeito um bocado calmo de olhar as coisas também. O nordestino tem isso”, observa a diretora.

A vinda para Brasília foi motivada também pelos estudos. Cursou na UnB a especialização em jornalismo político. Sob a orientação do professor Carlos Chagas, escreveu a monografia Cláudio Abramo: O profeta solitário. “Já eram os primeiros os na pesquisa, me colocando no campo do jornalismo de temáticas sociais. No caso, Cláudio Abramo, Profeta Solitário, defendendo um jornalismo democrático em pleno período militar”, explica Dione.

No mestrado, um trabalho que marcou a história da produção acadêmica nacional. A dissertação A Construção da Memória e da Identidade em Filmes de Cineastas Negros Brasileiros foi a primeira sobre o tema na história das pesquisas em comunicação. “Meu trabalho é citado como a primeira dissertação sobre cinema feito por cineastas negros. Um trabalho que me colocou já no caminho que vai dobrar lá adiante, com as cotas.”

Outro dos projetos motivo de orgulho teve como foco jornalismo, ciência e meio ambiente. O objetivo era descobrir qual a maior contribuição da UnB para a população do Distrito Federal. “Naquela ocasião, nos anos 1990, eu identifiquei que a principal contribuição da UnB era para os estudos sobre o cerrado. E uma das personagens que identifiquei à época é a hoje presidenta da Capes, a professora Mercedes Bustamante”, relata Dione.

Um pouco antes do início do doutorado veio a aprovação no concurso para professora da UnB, em 1995. “E continuei pesquisando, sempre nessa temática de jornalismo e sociedade, jornalismo científico, jornalismo ambiental, jornalismo e identidade racial, jornalismo e gênero. Ou seja, sempre no campo da comunicação e para quê a comunicação existe, o que ela pode fazer.”

“Sempre discordei da ideia de que um jornalista não afeta a vida das pessoas. Eu sempre dizia que um jornalista afeta a vida de uma pessoa tanto quanto um médico pode afetar; tanto quanto um engenheiro que constrói um prédio, se ele vier a ter um problema estrutural, vai afetar”, reflete a docente, que participou da cobertura da Constituinte no fim da década de 1980 e tentou levar esse olhar problematizador às reportagens. “Eu sempre tive essa preocupação na minha atuação como jornalista, como professora de jornalismo, como pesquisadora de jornalismo: uma preocupação com os impactos da produção noticiosa.” 

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Kayo Magalhaes/CB - Professora Dione Oliveira Moura

A revista Campus Repórter, produzida por estudantes de jornalismo da UnB, é outro projeto que orgulha Dione. As reportagens especiais que aram pelas páginas da publicação já renderam prêmios, e a redação da revista se tornou um laboratório de formação de profissionais reconhecidos no mercado. “Ali exerci as funções de editora, professora e jornalista. Uma experiência riquíssima, em que formamos jornalistas que hoje se destacam e que aram pela escola de reportagem que é a revista Campus Repórter”, avalia.

“Nesse sentido, nunca deixei de ser jornalista, porque a minha atuação como professora é uma atuação como uma jornalista que é professora.” A pandemia foi um capítulo à parte na carreira da professora. “Foi um momento em que me vesti novamente e muito fortemente no lugar de jornalista”, revela. Editoras, editores, diretoras, diretores e repórteres sentavam-se na cadeira virtual todos os dias para discutir a produção jornalística sobre o coronavírus e a covid-19. Equipes do Brasil e de fora, incluindo pesquisadores, pediam indicações, conselhos e trocavam experiências. “Pessoas que não sabiam como chegar à imprensa para dar a pior das notícias, a que ninguém quer ouvir: que não era em uma semana, nem em 15 dias, nem em 30, nem em 60, nem em 90 e nem um ano que tudo acabaria. Então, foi um momento em que eu voltei o meu espírito e a minha vivência de jornalista para saber fazer essa ponte.”

Dione havia trabalhado, na década de 1990, em um projeto de comunicação e saúde, da Faculdade de Ciência e Saúde da UnB. O faro jornalístico e a experiência com o tema a fizeram perceber, logo que viu as primeiras notícias vindas da China, que o avanço da doença que se alastrava pelo país asiático seria devastador. “Eu tinha a opção de simplesmente colocar a minha máscara esperando a pandemia ar”, observa Dione, que conta ter feito a escolha oposta por ser a forma que decidiu guiar a própria carreira: “Meu modo de lidar com a docência é uma docência muito comprometida com o contexto, com o impacto da docência e o impacto do jornalismo”. “Foi desafiador e enriquecedor ao mesmo tempo, no sentido de que, se você está na universidade, o impacto da sua ação é muito grande, e o impacto da sua omissão também”, ensina.

E essa forma de enxergar a profissão é também o que motiva a professora e a faz se sentir realizada. “É como colocou Darcy para nós, de ter a sociedade brasileira como o nosso lugar de transformação, de contribuição. Esse é o meu modo de ser, e ele tem raiz em toda a minha existência.”

Arquivo pessoal - Professora Dione Moura

O pote de ouro 4b2157

Ainda na infância, Dione fez uma grande descoberta. E foi o ensinamento do pai, o piauiense Diocleciano, e a perseverança da mãe, a baiana Mouranísia, que permitiram esse esclarecimento. “Minha mãe nasceu em 1929 e meu pai, em 1927. Eles nasceram uma década e meia depois da seca de 1915, em plena aridez, pico dessa estiagem. Então, eles trouxeram um pouco dessa sobrevivência e também da noção de que a educação era o caminho para sair disso”, relata a professora.

Eles próprios só fizeram o ensino básico, mas saíram da primeira série com uma ampla formação cultural e a caligrafia “majestosa”, conforme define a filha caçula. “Ambos tinham uma caligrafia muito bonita, uma fé na cultura e na educação como lugar de realização, como lugar de você crescer e ser alguém. E isso é algo que carreguei comigo”, garante.

Na formatura no Jardim de Infância de uma das filhas do meio, Seu Doca, pouco antes de morrer, comprou um presente especial: um anel de ouro cravejado com um pequeno rubi. “Faça essa conta: quanto valeu esse anel para ele? Nessa época, a nossa casa era numa rua sem asfalto, em chão batido, a parede não tinha pintura e era de palha de arroz com barro. Não tinha forro e o fogão era à lenha”, contextualiza Dione.

“Essa foi uma das últimas coisas que ele fez por nós, deixou essa memória: ‘Olha onde está a riqueza; a riqueza que eu vou deixar para você é um diploma’. Então, embora ele tenha ficado pouco tempo com a gente, construiu esse ideário da educação como o lugar onde estão os potes de ouro”, emociona-se a professora, que hoje é casada e tem cinco filhos e uma neta.

Caçula de seis irmãos, Dione perdeu, com a diferença de cerca de um mês, o irmão mais velho — filho de um relacionamento anterior do pai —, vítima da epidemia de meningite dos anos 1970; e o próprio pai, por problema cardíaco. Seu Doca deixou como herança uma fábrica de farinha em Goiânia.

Dona Mourinha assumiu o negócio depois de viúva, contando com a ajuda de um tio de Dione, mas em seguida ele também faleceu. Restaram duas famílias órfãs de pai para as matriarcas sustentarem sozinhas. Dona Mourinha vendeu motor e peças da fábrica para garantir a comida dos filhos. Pegou o caderninho do marido e saldou todas as dívidas da empresa antes de fechá-la em definitivo. Juntou dinheiro para comprar uma máquina de costura, que garantiu o sustento da família por um bom tempo. “Vocês vão estudar, vocês vão estudar”, era o mantra que repetia a todo o tempo.

Não era esperado que os filhos de uma mulher negra viúva estudassem. Nem que virassem médico, engenheiro, professora, advogada e psicóloga, como aconteceu. “Goiânia era uma cidade culturalmente endurecida, preconceituosa mesmo”, observa Dione. O que esperava-se de uma mulher na situação de Dona Mourinha era que entregasse os filhos para outras famílias, o que significava que ariam a exercer tarefas domésticas ainda na infância e na adolescência. “A toda hora chegavam pessoas e a gente ouvia: ‘Posso pegar filha para cuidar?´’, conta Dione. “Era muito frequente, e eu via que ela reagia como uma leoa e falava: ‘Não! Meus filhos todos vão estudar’”. E as palavras de Mouranísia se escreveram. Ela morreu há cinco anos, depois de conseguir viver com saúde e fazer tantas das coisas que lhe davam prazer, das viagens à iôga.

Boa aprendiz 5g4856

Fotos: Arquivo pessoal - Dione, ao centro, com os pais, três irmãos e um amigo da família; ao lado, com a neta na posse como diretora da FAC/UnB

Mais do que tornar-se alguém, Dione levou tão a sério o ensinamento e o exemplo dos pais que enfrentou como uma missão o desafio de alavancar outras pessoas como ela ao lugar que a sociedade dizia e repetia que não pertenciam. “Eu trabalho para que mais pessoas tenham a educação como um lugar de ser alguém. Isso envolve uma educação que eu procuro que seja inclusiva, no sentido de dar uma atenção especial para estudantes que estejam com alguma dificuldade: parar, conversar, perguntar, ver se está precisando de uma bolsa, indicar, propor um projeto de pesquisa”, elenca.

E, como caçula comprometida, Dione fez da própria carreira o caminho para cumprir a missão que o pai deixou: “Cada vez que eu vejo um estudante que eu formei na graduação, na pós, no mestrado, no doutorado ou na supervisão de pós-doutorado encontrando o seu pote de ouro e percebo que fiz parte disso, eu me sinto realizada”.

Durante a carreira de professora, já participou de mais de 200 bancas de trabalhos de conclusão de curso (TCC) e tantas outras cerimônias de apresentação de mestrado e de doutorado. Há 20 anos, Dione foi
coorganizadora do evento de criação da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor),
com a equipe pioneira. Este ano, o evento ocorreu na FAC e Dione foi homenageada.

Kayo Magalhaes/CB - 10/11/2023,. Trabalho e Formaçao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura

"Consegui, conseguimos, eu, meus irmãos escaparmos da linha de força da histórica discriminação racial, fruto do processo escravagista colonial, prescrevia: nós deveríamos falhar, deveríamos perder, não deveríamos, nós crianças negras órfãs, dizia ‘o destino’, não devíamos termos o à educação, à saúde, ao trabalho, à vida digna - pauta fundamental se pensarmos na Declaração Universal dos Direitos Humanos", escreveu Dione em20 anos de SBPJor e 20 anos de cotas UnB: uma trajetória afrocentrada em defesa do jornalismo de qualidade e da inclusão, um dos textos que integra a coletânea Entre crises e (re)Construções: a pesquisa em jornalismo 20 anos depois, que celebra os 20 anos da SBPJor.

Kayo Magalhaes/CB - 10/11/2023,. Trabalho e Formaçao Profissional. Professora Dione Oliveira Moura

Arquivo pessoal - Há 20 anos, Dione foi coorganizadora do evento de criação da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), com a equipe que aparece na foto abaixo. Acima, com os organizadores da edição deste ano, na FAC, onde foi homenageada.

“Eu não disse que ia dar certo?” 6l3f4w

“Todo esse desejo de que a educação fosse um lugar para as pessoas se tornarem mais donas de si se materializou no projeto de cotas”, afirma a diretora da FAC/UnB, Dione Moura, que foi a relatora da proposta pioneira aprovada pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe) em 2003. A UnB foi a primeira federal a instituir o sistema de cotas para negros e indígenas.

Hoje, ela e os quatro irmãos são formados e têm carreiras consolidadas. Mas essa não foi a realidade de vizinhos e colegas de escola. Nesse sentido, um momento da infância em especial marcou a vida da professora. Um grupo de estudantes da terceira série, que nem eram seus amigos próximos, juntaram todas as moedas que tinham e a presentearam com um como. “Eles falaram assim: ‘Porque você vai conseguir’. Eles entendiam que a rede que minha mãe criava ia fazer a diferença, e eles não tinham essas mesmas condições”, revela.

Cena que se uniu a tantas outras que fizeram parte do cotidiano da jovem goiana de coração nordestino. Na hora do recreio, um menino preto brincava e era observado de longe pela mãe solo, que carregava no olhar a melancolia de saber que ele nunca conseguiria chegar ao topo. “Ele não vai conseguir, porque a sociedade não vai deixar. Ele será perseguido, isolado”, pensava a professora, que à época tinha apenas 9 anos. “Quando eu chego para as cotas, esses colegas todos tinham se perdido, e eu sabia que eles tinham se perdido pelo racismo estrutural. Hoje, poderiam ser engenheiros, médicos, biólogos, cientistas, empreendedores, empresários”, elenca.

Os 10 anos seguintes à aprovação das cotas na UnB foram de muita luta e uma defesa contínua da proposta: em fóruns, no Senado, na Câmara, em debates. “Durante uma década, a gente tinha um plantão de 24 horas — jurídico, epistemológico, teórico, filosófico — defendendo a política de inclusão”, diz. E Dione era a melhor defensora possível, pois se sentia a prova viva da capacidade de meninas e de meninos negros da periferia.

O edital de o à universidade por meio do sistema de cotas, elaborado com dezenas de contribuições e revisões, não teve uma linha questionada durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). “Nós nos dedicamos a isso: a conseguir estruturar um edital com tal legitimidade e legalidade, com tal grau de constitucionalidade que se tornasse inquestionável.”

Neste Mês da Consciência Negra, no mesmo ano em que o sistema de cotas da UnB completa duas décadas, a política nacional de cotas a por uma revisão que traz avanços para a população negra. Amanhã, o presidente Lula sanciona o Projeto de Lei nº 5.384/2020, que atualiza a Lei de Cotas. Se Dione pudesse resumir em uma frase o sentimento que fica de todo o processo seria: “Eu não disse que ia dar certo?”

Mas a professora avalia que a sociedade brasileira ainda está longe de chegar a um ponto de Justiça. O argumento de que as cotas comprometeriam a qualidade da universidade caiu por terra com a implantação do sistema. Os dados do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade) divulgados no início do mês reforçam a qualidade dos cursos da UnB. O que é dirigido por Dione, inclusive, obteve nota máxima na avaliação.

“É hora de a sociedade olhar e pensar: ‘E agora? Vou ter que tirar o meu chapéu do preconceito e vestir o chapéu da inclusão”, reforça. “Existe um cansaço social de sustentar tanto preconceito”, analisa a professora. “De alguma forma existe no inconsciente coletivo esse desejo de deixar de ser um país tão embasado nessa memória da senzala e tornar-se um país mais humano.”

Como boa professora, Dione finaliza o raciocínio com uma metáfora sobre o papel da universidade no impulsionamento das mudanças sociais. Nesse processo das cotas, ela compara a universidade ao copiloto de um carro — o Brasil. O que essas instituições fizeram, portanto, foi despertar a consciência histórica do motorista e mostrar a chaga deixada pela escravidão de negros e de indígenas, mas que havia chegado o momento de deixar para trás a estrada da exclusão e pisar no acelerador. “Vamos agora pegar a estrada da inclusão e trazer de volta aqueles que a gente abandonou e jogou para fora do nosso carro.”

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Vá no seu tempo e vá até o final: Mulheres negras cotistas no marco dos 60 anos da UnB

Organização: Dione Moura e Deborah Santos
Editora UnB, R$ 106