
Referência no ensino da matemática em Brasília, o professor Toshio Nakamura, 67 anos, coleciona sucessos na carreira e tem no currículo gerações de estudantes formados. Com mais de 40 anos de profissão, permanece em sala de aula até hoje, com seis turmas do ensino médio. Por onde a encontra alunos para os quais lecionou e já houve até quem disparasse: "Professor, o senhor deu aula para o meu avô".
Nascido em Marília (SP), Toshio é filho de imigrantes japoneses. O pai, Itiro Nakamura, era da cidade de Wakayama Ken e morreu aos 101 anos. A mãe, Fumiko, era de Tóquio e viveu até os 71 anos. Os dois migraram para o Brasil ainda na adolescência, e se conheceram em São Paulo, onde tiveram oito filhos.
Dona Fumiko "puxava a orelha" dos sete por conta das atividades escolares, como lembra Toshio. "Minha mãe sempre deu muito valor aos estudos", conta. Quando chegava a vez dele, no entanto, a surpresa era outra: todas as tarefas estavam concluídas e o menino tinha ido além do solicitado. "Ela tinha que, às vezes, mandar parar de estudar. Era uma coisa curiosa", diverte-se. "Eu não queria ser o aluno intermediário. Sempre quis ser, se não o primeiro, pelo menos o segundo lugar."
"Eu era o aluno, o menino, o filho diferente. Estudava sem que ninguém me mandasse. Gostava mesmo de estudar. Desde pequeno eu gostava, principalmente, de matemática e física. Só para você ter uma ideia, quando começavam as aulas eu já tinha estudado toda a matemática e a física sozinho, nas férias", relembra. Apesar de falar japonês, nunca esteve no país de origem dos pais.
Vocação
Desde o ensino médio, Toshio notava uma vocação para o ensino. À época, não só a matemática, mas outras disciplinas que dominava entravam no repertório de temas que ele ajudava os colegas a desvendar. "Fiquei com aquilo na cabeça: 'Eu vou ser professor'", sonhava. A família não colocou fé na escolha, achou que o retorno financeiro da carreira não seria bom.
Toshio conta que, em sua época de estudante, três cursos eram valorizados. "Um aluno que era dos melhores da escola, como era o meu caso, em geral tinha três caminhos a seguir: ou ia para medicina, ou ia para engenharia, ou ia para o direito", afirma. Ele cedeu à pressão familiar e ou nas primeiras colocações do vestibular, para o curso de engenharia elétrica da Universidade de Campinas (Unicamp), em 1977.
"Quando cursei os dois primeiros anos, eu achei uma maravilha, porque basicamente era matemática e física, e alguma coisa de química. Então, achei o curso muito bom. Mas quando entrei no 5º semestre, percebi que não era aquilo que eu queria", relata. Nesse momento, notou que precisava seguir seu desejo e decidiu trocar de curso. "Larguei a engenharia elétrica e, na universidade mesmo, ei a fazer matemática."
Depois de formado, ou um período em Goiânia, na casa de um dos irmãos, dono de uma rede de supermercados na capital. Foi quando amigos do irmão pediu que Toshio desse aulas particulares de reforço para seus filhos. "Os alunos gostavam tanto que se espalhou na cidade a notícia de que havia um professor maravilhoso. E aí, de repente, eu estava com uns 30 alunos particulares", relata.
Logo veio o convite para dar aulas em um dos colégios particulares da capital de Goiás. Não demorou também para que uma nova proposta de emprego encontrasse o célebre professor: era um convite da direção do Objetivo de Brasília. A escola precisava de um docente de matemática para substituir um profissional que havia se mudado para São Paulo. O ano era 1982 e a moeda vigente, o cruzeiro.
Apesar da inflação galopante, o salário oferecido era altíssimo: algo em torno de Cr$ 1,4 milhão. "Só para você ter uma ideia, o meu salário dava para comprar um carro na época. Imagina, eu com 20 e poucos anos, ganhando um salário que hoje seria, portanto, uns R$ 100 mil", indaga.
O sucesso veio
A família respirou aliviada com a notícia de que o jovem Toshio tinha boa fama e ganhava um ótimo salário na capital da República. Pouco depois, o coordenador de Matemática do colégio deixou o cargo para fundar o Sigma, e o recém-contratado Toshio foi o escolhido para ocupar a vaga. Foram 13 anos de trabalho no Objetivo, mas o sonho de criar o próprio colégio o moveu para um novo desafio.
O Galois começou como um cursinho de matemática, na 702 Sul, em 1996, fruto da parceria entre Toshio, Dulcineia Marques e Angel Prieto. No primeiro semestre, 400 alunos se matricularam, com foco principalmente na aprovação em vestibulares de medicina. Só na Universidade de Brasília (UnB), 29 das 30 vagas disponíveis no vestibular de julho de 1998 foram preenchidas por estudantes do cursinho. Aos poucos, a pedido dos alunos, o número de disciplinas ofertadas no pré-vestibular foi aumentando, primeiro com as exatas, física e química.
aram-se os anos e chegou o momento de tornar o cursinho uma escola. "Nós abrimos com oito turmas de 1º ano, quatro de 2º e seis de 3º, além de nove turmas de cursinho de manhã e oito à tarde", conta Toshio sobre a inauguração, em 2000, do colégio. "Comecei a convidar os melhores professores da cidade, e montamos uma super equipe", afirma. "Foi uma coisa que mexeu com a cidade."
Aprendizado constante
A paixão pela matemática não cessou. Até hoje, o professor dá aulas, em seis turmas no total, atividade que acumula com o cargo de direção. "Muitos dos professores de matemática acabaram se tornando professores por influência minha", orgulha-se. Há alguns meses, foi jantar em um de seus restaurantes favoritos na Asa Sul e surpreendeu-se ao encontrar em quase todas as mesas nos dois andares ex-alunos seus.
Toshio é talvez um professor do estilo "velha guarda". Não seguiu a tendência dos cursinhos, de levar mais descontração e brincadeiras para a sala de aula. Acredita, portanto, que é a habilidade para fazer o estudante entender a matemática o grande trunfo da sua maneira de lecionar.
O talento foi reconhecido, inclusive, por votação popular. Quando dava aulas no Objetivo, as turmas chegavam a ter 300 alunos, o que somava um universo de 5 mil discentes na escola. A rádio Transamérica promoveu uma pesquisa com os alunos de Brasília perguntando quem era o melhor professor de ensino médio da cidade. "Ganhei com 70 e poucos por cento dos votos. Eu nem sabia que tinha tido essa pesquisa, aí a Transamérica me chamou (para uma entrevista)", destaca, ainda surpreso.
"O segredo do aluno gostar ou de fazer com que o aluno preste muita atenção é dar boas explicações, ajudá-lo a compreender coisas que ele não compreendia antes. E isso talvez tenha sido a chave do meu sucesso", destaca, acrescentando que acompanhou várias transformações nessa trajetória. "Comecei a ouvir muitos alunos dizendo: 'Professor, você mudou minha vida'"
Inspiração
Quem inspira gerações de estudantes hoje também teve uma grande inspiração durante o ensino médio. Toshio foi aluno do físico Nicolau Gilberto Ferraro. O professor é referência no Brasil, autor de diversos livros de física usados no ensino médio e em universidades. "Ele dava aula sem nenhuma brincadeira também, mas era extremamente didático", conta Toshio, que teve aulas com o mestre no Colégio Objetivo de São Paulo.
Apesar de décadas terem se ado, a desvalorização da carreira de professor persiste. Toshio afirma ser exigente na seleção e remunerar bem os profissionais que atuam na escola. "O professor que eu escolho tem de ter como objetivo realmente o de ensinar e que sempre se atualize com relação aos conteúdos e a métodos de ensino. É preciso acompanhar a evolução dos alunos, como eles se comportam, como melhorar isso para ter disciplina em sala de aula. E tem de ser carismático também", resume.
Toshio é o autor de todo o material didático de matemática do Galois, que, em formato de apostilas, tem o conteúdo atualizado e adaptado anualmente. A pandemia reforçou a necessidade desse processo. Ele conta que precisou reduzir o nível de dificuldade dos exercícios e conteúdos propostos, diante da queda na aprendizagem dos estudantes. "Os alunos da pandemia tiveram uma dificuldade muito grande de acompanhar. Eles não estudavam. Quem que tinha aula virtual e realmente prestava atenção? Quase nenhum aluno", afirma o professor.
Futuro de desafios
Imerso na educação, Toshio nota uma heterogeneidade muito grande no nível de ensino, tanto em escolas públicas quanto nas particulares, um dos fatores que coloca o Brasil nas piores posições em rankings internacionais de aprendizagem. Outro desafio da atualidade para o professor é lidar com questões relacionadas ao respeito à diversidade, como racismo e lgbtfobia, que se expressam no ambiente escolar por meio do bullying.
As redes sociais entram nessa difícil equação como combustível, e o distanciamento dos pais que, muitas vezes, depositam na escola toda a responsabilidade pela educação e disciplina dos filhos, só agrava a situação. "Veja só, o pai fala assim: 'Eu não dou conta do meu filho'. E o professor, com 40 em sala de aula, vai dar conta para os pais? Não tenho jeito, eu respondo."
Hoje, Toshio é pai de quatro filhos, um deles, Pedro, também se formou em matemática e leciona no Galois, onde é conhecido como Naka. Além da dedicação ao colégio que fundou, mantém as artes plásticas como hobby, e até vendeu um de seus quadros a um colecionador.
Para os estudantes da nova geração, ele deixa uma mensagem objetiva: "Falo para os meus alunos que ninguém se arrepende por ter estudado. A pessoa pode se arrepender por não ter estudado, mas dificilmente alguém vai se arrepender de ter estudado ou de ter estudado demais".
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