MEIO AMBIENTE

Parceria de Salgado com Vale ajudou a reflorestar área em MG, mas também gerou críticas

Com o apoio da mineradora, fotógrafo recuperou milhares de hectares degradados em Minas Gerais, mas foi alvo de críticas pela parceria e por posicionamento após o desastre de Mariana.

Vista da fazenda de Salgado em Aimorés (MG) antes do reflorestamento -  (crédito: Sebastião Salgado/Instituto Terra)
Vista da fazenda de Salgado em Aimorés (MG) antes do reflorestamento - (crédito: Sebastião Salgado/Instituto Terra)

Morto nesta sexta-feira (23/5), o fotógrafo Sebastião Salgado promoveu, ao lado de sua esposa, Lélia Wanick Salgado, um vultoso programa de reflorestamento em uma fazenda que o casal comprou em Aimorés, Minas Gerais.

Desde 1998, quando o projeto se iniciou, ao menos 2,1 mil hectares da propriedade foram reflorestados, e dezenas de espécies de animais antes desaparecidas voltaram a frequentar o espaço.

Em entrevista à jornalista Miriam Leitão em 2007, Salgado diz que a ideia de recuperar a área veio da esposa. Na época, segundo Leitão, "o cenário era de desolação" na propriedade.

"A terra completamente desmatada se abria em erosões. Os morros pelados desbarrancavam com as chuvas", descreveu a jornalista.

Lélia então teria proposto ao marido: "Tião, por que a gente não faz uma floresta? Vamos encher isso aqui de árvores".

Salgado concordou, motivado pelas boas lembranças da "terra cheia de árvores, animais e vida onde ele havia crescido 50 anos antes".

Anos depois, a área recuperada se tornaria uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Para gerir o espaço e recuperar outras áreas vizinhas, o casal fundou uma ONG: o Instituto Terra.

A propriedade do fotógrafo fica no vale do Rio Doce - região que perdeu quase toda sua vegetação nativa nos últimos séculos e berço da Vale, a maior mineradora do Brasil e uma das maiores do mundo.

Morros desmatados, com casas ao centro
Sebastião Salgado/Instituto Terra
Vista da fazenda de Salgado em Aimorés (MG) antes do reflorestamento

A mineradora é parceira de Salgado no Instituto Terra e patrocinou algumas de suas exibições fotográficas mundo afora.

A relação com a mineradora, porém, despertou críticas ao fotógrafo - especialmente após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015.

A barragem era istrada pela Samarco, uma t venture da Vale com a mineradora anglo-australiana BHP.

Considerado um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil, o rompimento da barragem provocou 19 mortes e devastou o rio Doce, que jamais se recuperou plenamente.

Na ocasião, houve questionamentos sobre a proximidade de Salgado com a Vale e a postura do fotógrafo após o acidente.

Rio cheio de lama desaguando no oceano
Fred Loureiro/Secom-ES
Foz do rio Doce após o rompimento da barragem do Fundão, em 2015

Embora tenha reconhecido a gravidade do ocorrido - que chamou de "maior tragédia ambiental do Brasil" -, o fotógrafo defendeu a importância da Vale para a região e o país.

Em entrevista à Revista Época semanas após o desastre, ele foi questionado se não sentia "desconforto com o fato de ser uma pessoa conhecida por sua preocupação ecológica e receber financiamento da empresa responsável pelo maior acidente ecológico do país".

Salgado respondeu: "Não. A Vale é responsável pelo acidente, não resta dúvida, mas não operava diretamente a mina. Precisamos dessas empresas na sociedade em que vivemos. Tenho quase certeza de que o meu carro, o seu foram feitos com minério que saiu desse vale. O importante é que as empresas sejam responsáveis, e a Vale é. Também é o maior empregador da região", ele afirmou.

Ao longo dos seus mais de 50 anos de carreira, Salgado alcançou fama internacional por suas extraordinárias composições em preto e branco, em que captava tanto as maiores belezas naturais, quanto as maiores atrocidades promovidas pelos homens.

A morte do fotógrafo foi confirmada pela família na sexta-feira. "Durante mais de cinco décadas, Sebastião e sua inseparável companheira Lélia Wanick Salgado construíram uma obra fotográfica inigualável, com um conteúdo profundamente humanista e um olhar sensível sobre as populações mais desfavorecidas e os problemas ambientais que ameaçam nosso planeta", diz o comunicado.

"Com Lélia, fundou o Instituto Terra, uma organização de reflorestamento em Aimorés, no estado de Minas Gerais (Brasil), que já plantou mais de 3 milhões de árvores. Por meio das lentes de sua câmera, Sebastião lutou incansavelmente por um mundo mais justo, mais humano e mais ecológico. Fotógrafo que viajou pelo mundo sem cessar, ele contraiu uma forma particular de malária em 2010 na Indonésia, como parte de seu projeto Gênesis. Quinze anos depois, as complicações dessa doença se transformaram em uma leucemia grave. Além de sua esposa Lélia, Sebastião deixa seus filhos Juliano e Rodrigo e seus netos Flávio e Nara."

BBC
BBC Geral
postado em 24/05/2025 07:30 / atualizado em 24/05/2025 07:56
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