
Quando um homem mata uma mulher, a culpa é dele, unicamente dele. A responsabilidade é dele. De ninguém mais. Pouco importa se é doente, insano, desumano ou um ser humano aparentemente exemplar. Trata-se de um criminoso, que merece punição exemplar. Ponto final. Mas, é preciso dizer: quando a mulher busca ajuda nos órgãos competentes e, ainda assim, é assassinada, a verdade é que a sociedade falhou; o poder público falhou; as autoridades falharam.
O que aconteceu com a jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, — e acontece com tantas mais diariamente — é revoltante. Servidora pública que trabalhava no MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul), ela foi esfaqueada pelo companheiro, o músico Caio Nascimento, que foi preso em flagrante logo após o crime. Vanessa foi esfaqueada três vezes na região do tórax e morreu. Antes, foi mantida em cárcere privado e foi gravemente ameaçada, entre outras atrocidades.
Vanessa havia registrado ocorrência e pedido medida protetiva contra Caio, que, desde 2020, acumulou 11 registros por violência doméstica — de vários relacionamentos. Além da revolta, fica a pergunta: por que este homem violento, agressor contumaz, reincidente, estava livre para ameaçar, agredir e matar mulheres? O flagrante que esperam para a prisão é a agressão e a morte das mulheres?
Em áudio enviado para um amigo, após ela sair da delegacia, Vanessa relata a escuta nada empática, a falta de acolhimento, o descaso, a sensação de impotência ao denunciar seu agressor numa delegacia da mulher. Ou seja, existem leis e orientações sobre a estrutura de acolhimento às mulheres, mas é preciso uma mudança de cultura, uma ação mais proativa da polícia, uma celeridade da Justiça e um reforço urgente nas ações preventivas. Além disso, é preciso investigação rigorosa da atuação dos agentes públicos envolvidos.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) realizou o lançamento do Monitor da Violência contra a Mulher, idealizado pela desembargadora Jaceguara Dantas da Silva, responsável pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJMS, e pelo delegado Antônio Carlos Videira, secretário de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). O monitor é uma ferramenta estratégica para prevenir, monitorar e combater a violência de gênero.
Segundo a magistrada, a leitura dos dados do Monitor permitirá a formulação de políticas públicas assertivas, fomentar pesquisas e servir de subsídio para a atuação integrada do sistema de Justiça e da rede de proteção às mulheres. Trata-se de uma iniciativa incrível, que, esperamos, se reverta em ações concretas e mais imediatas.
Não é possível esperar mais. Agora, o assassino de Vanessa está preso. Mas ela não está mais aqui. Sua família e seus amigos não terão mais a sua presença. O feminicídio causa uma tristeza profunda em mim, acho que em todas nós. Uma sensação de que o mundo é um lugar errado para estarmos, já que não conseguimos condições para vivermos em paz, livres e seguras. Nós, mulheres, temos de nos ajudar, tirar outras de situações de vulnerabilidade, violência e abuso. Vamos fazer nossa parte.