Religião

A Igreja depois de Francisco

O conclave de 2025 não escolherá apenas um homem. Escolherá uma direção espiritual para o século 21. E nunca os desafios foram tão espessos

A Igreja terá de decidir se quer ser apenas um santuário para os fiéis ou uma tenda para todos os que procuram sentido, inclusive os céticos, os feridos, os que perderam a fé -  (crédito: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP)
A Igreja terá de decidir se quer ser apenas um santuário para os fiéis ou uma tenda para todos os que procuram sentido, inclusive os céticos, os feridos, os que perderam a fé - (crédito: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP)

José Manuel Diogo escritor, cronista, presidente da associação Portugal Brasil 200 anos e professor no IDP em Brasília

O mundo em que o papa Francisco foi eleito já parece um século distante. Era 2013. Ainda se falava em globalização com esperança, o Twitter era um atempo e o Ocidente ainda acreditava na sua centralidade. Doze anos depois, o mundo virou uma praça desordenada, onde a tecnologia anda mais rápido que a ética, a guerra voltou a ser banal e a verdade virou uma moeda inflacionada. O papa que ousou colocar os pobres no centro da Igreja, que pediu misericórdia em vez de condenação, que falou de clima, de migração, de abusos e de ternura, agora parte — e deixa a pergunta no ar: que Igreja será a Igreja depois de Francisco?

O conclave de 2025 não escolherá apenas um homem. Escolherá uma direção espiritual para o século 21. E nunca os desafios foram tão espessos. A Igreja perde espaço no Ocidente, cresce em zonas do mundo onde a institucionalidade é frágil e tenta caminhar sobre fios de arame: entre tradição e renovação, entre a liturgia e o TikTok, entre os anseios dos fiéis e o peso da Cúria. Em outras palavras: o novo papa precisará mais do que rezar. Ele precisará escutar, pensar, abraçar e — talvez o mais difícil — decidir.

Os nomes que circulam nos corredores da Domus Sanctae Marthae são mais do que perfis; são futuros em disputa. Pietro Parolin, diplomata-mor do Vaticano, representa a continuidade institucional, o equilíbrio, a gestão comedida. Matteo Zuppi, de Bolonha, é um reformador com sorriso leve e palavras fortes — traduz Francisco para os jovens das periferias. Luis Antonio Tagle, filipino, carrega a força do cristianismo asiático e uma habilidade pastoral rara: fala com todos sem perder o centro. Peter Turkson, de Gana, traria a África ao centro do altar, com a força simbólica de uma reparação histórica.

Dois cardeais de língua portuguesa também não espantariam como escolha. O português José Tolentino de Mendonça encarna o espírito do tempo. Teólogo, poeta, homem do diálogo entre fé e cultura, Tolentino seria o papa da escuta profunda, da beleza como linguagem teológica, da delicadeza como revolução. Ele representa uma Igreja menos assustada com o mundo e mais interessada em compreendê-lo. 

O brasileiro entre os nomes possíveis é Dom Sérgio da Rocha, hoje primaz do Brasil, representa a sobriedade pastoral, o equilíbrio teológico e uma capacidade rara de ouvir sem ceder ao ruído. Um papa brasileiro seria, ao mesmo tempo, um gesto simbólico e uma aposta realista. O Brasil é ainda o maior país católico do mundo, e um papa vindo do seu interior profundo marcaria uma virada: a Igreja que fala desde o Sul, mas para o planeta.

O próximo pontífice enfrentará um mundo assombrado por crises sobrepostas: climática, democrática, existencial. A inteligência artificial mudará a forma como nos relacionamos com o saber e com o outro; as guerras e migrações seguirão testando os limites da compaixão; o crescimento de fundamentalismos e a cultura do cancelamento tornarão o espaço do diálogo ainda mais estreito.

A Igreja terá de decidir se quer ser apenas um santuário para os fiéis ou uma tenda para todos os que procuram sentido, inclusive os céticos, os feridos, os que perderam a fé. Terá também de aprender a lidar com o fato de que não é mais a principal voz sobre o sentido da vida, mas pode continuar sendo uma das mais escutadas, se souber como falar.

Cada escolha trará consequências. Um papa italiano poderá significar a tentativa de recompor uma centralidade perdida. Um papa africano ou asiático apontará para o futuro plural da fé. Um papa latino-americano — ou mesmo português — poderá ser o último gesto de esperança de uma Europa em busca de sentido. A questão central é: a Igreja vai optar por se proteger do mundo ou por caminhar com ele?

Francisco deixou um mapa. Nem sempre claro, nem sempre seguido. Mas abriu portas, moveu estruturas, desafiou os comodismos. A Igreja que virá depois dele não poderá fingir que nada aconteceu. E tampouco poderá se contentar em manter as janelas abertas — será preciso atravessar a rua, encontrar quem ficou do lado de fora e começar de novo.

Porque, no fundo, essa sempre foi a vocação cristã: não proteger o sagrado, mas encarnar o amor. Mesmo — e sobretudo — quando o mundo já não acredita mais nisso.

 

Por Opinião
postado em 22/04/2025 06:00
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