Artigo

Educar para reparar: um curso para ensinar o Brasil a ser justo

Nosso objetivo com o projeto Educar para Reparar é formar cidadãs e cidadãos que compreendam como o dinheiro público é planejado, aplicado e fiscalizado — e como essa compreensão pode se converter em ação transformadora

pri-2304-opiniao Opinião Justiça Diversidade -  (crédito: Caio Gomez)
pri-2304-opiniao Opinião Justiça Diversidade - (crédito: Caio Gomez)

RICHARD SANTOS, docente da Universidade Federal do Sul da Bahia, coordenador do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo

Escrevo este texto como convite e provocação: é possível ensinar um país a ser mais justo? É possível formar pessoas para que compreendam o orçamento público, enfrentem o racismo e ajudem a reconstruir a democracia brasileira de baixo para cima? Com base na minha trajetória e na experiência coletiva de muitos que resistem e sonham, nasceu o projeto Educar para reparar: orçamento público e educação antirracista. Um curso, sim. Mas também um manifesto, um caminho de volta para o Brasil que ainda pode ser.

No Brasil de 2025, país marcado por desigualdades históricas e profundas, o projeto surge como uma iniciativa inédita e urgente. Idealizado por um coletivo de pessoas negras e insurgentes e coordenado por mim, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e coordenador do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (GP-PNC), o projeto é fruto de uma parceria com a União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) e tem apoio institucional da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC). É uma resposta à necessidade de transformar a educação em ferramenta concreta de justiça, democracia e cidadania.

Ao longo da minha trajetória — que, com o nome Big Richard, ei pela cultura hip-hop, pelos estúdios de televisão e, hoje, ocupo a sala de aula e o campo da pesquisa — compreendi que o racismo não é apenas uma violência simbólica. É um sistema que organiza o orçamento público, que distribui (ou nega) direitos e que naturaliza o abismo social brasileiro. Por isso, Educar para reparar nasce da urgência de fazer da educação um instrumento de reequilíbrio das contas históricas de um país que foi fundado sobre a injustiça.

O curso, de caráter nacional e extensão universitária, está estruturado em cinco módulos. Neles, combinamos teoria crítica, escuta comunitária, rodas de diálogo e atividades práticas de letramento orçamentário popular. Nosso objetivo é formar cidadãs e cidadãos que compreendam como o dinheiro público é planejado, aplicado e fiscalizado — e como essa compreensão pode se converter em ação transformadora.

E mais: não caminhamos sozinhos. Teremos como professores convidados nomes como Ynaê Lopes dos Santos, historiadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Thiago de Souza Amparo, jurista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), e Olgamir Amância Ferreira, educadora da Universidade de Brasília (UnB) e referência nas políticas públicas voltadas à equidade. São pessoas comprometidas com a formação crítica e com o Brasil real, aquele que se constrói nas periferias, nas comunidades quilombolas, nas aldeias, nas redes de educação popular.

A metodologia do curso é pensada a partir das epistemologias do Sul Global: valorizamos os saberes negros, indígenas e decoloniais, e os cruzamos com reflexões contemporâneas sobre democracia, direitos humanos e justiça econômica. Nosso referencial é também político e afetivo: mobilizamos autores como Sueli Carneiro, Clóvis Moura, Frantz Fanon, Lélia Gonzalez, Achille Mbembe, Angela Davis, Virginia Bicudo e Boaventura de Sousa Santos, mas também escutamos os mestres do cotidiano — as mulheres negras que lideram associações de bairro, os jovens das periferias que criam redes de solidariedade, os povos originários que mantêm viva a sabedoria dos ancestrais.

Diferentemente de formações que falam sobre os sujeitos populares, Educar para reparar fala com e a partir deles. Nosso curso reconhece o Brasil como um território em disputa — e entende que disputar o orçamento é disputar o futuro. Munidos de conhecimento, podemos tensionar a lógica excludente das políticas públicas e construir alternativas baseadas na equidade, na dignidade e na justiça.

Essa proposta não nasceu de gabinetes. Ela brotou do chão, onde a democracia tem sido empurrada para as margens. É o resultado de uma escuta ampla, de um compromisso radical com a reparação histórica e de uma crença profunda na capacidade do povo de se autoeducar, se organizar e reconstruir o país. Como costumo dizer: sem educação, não há reparação; e sem reparação, não há democracia de verdade.

Para acompanhar o projeto, inscrever-se nas próximas turmas ou conhecer mais sobre nossas ações, basta ar o site do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo da UFSB. Porque educar é também lembrar. Reparar é também planejar. E ensinar o Brasil a ser mais justo é tarefa coletiva. Estamos só começando.

 

Por Opinião
postado em 24/05/2025 06:07
x