Com a morte de Sebastião Salgado, nesta sexta-feira, o mundo perde um dos maiores expoentes da fotografia, e o Brasil perde também uma figura de grande importância para a preservação do meio ambiente e da Mata Atlântica.
Desde que foi fundado por ele e por sua companheira, Lélia Wanick, o Instituto Terra desenvolve um trabalho exemplar de recuperação de áreas degradadas, a começar pela própria região onde o fotógrafo foi criado - a antiga Fazenda Bulcão, em Aimorés, no interior de Minas Gerais.
O projeto nasceu do sonho do casal de reflorestar o local que, no ado, foi de exuberante Mata Atlântica e que, com o ar do tempo, acabou reduzido a pasto e erosão.
Esse sonho foi ganhando forma à medida que desenvolviam o trabalho que resultaria na exposição Gênesis, inaugurada em 2014 no Palácio das Artes. Desde a fundação do Instituto Terra até aquele ano, já haviam sido plantadas na antiga Fazenda Bulcão mais de 2 milhões de árvores, somando 297 espécies nativas.
"Eu estava muito deprimido após a realização de Êxodos, que foi de 1994 a 1999. Tinha viajado muito para várias partes da Terra e visto coisas que realmente me deixaram muito triste, muito descrente com o ser humano", contou Salgado à época. "Foi quando Lélia, olhando para as terras da fazenda onde eu tinha ado a infância, me deu a ideia de reflorestar tudo aquilo e, em consequência disso, veio a vontade de também realizar Gênesis, projeto no qual trabalhamos de 2004 a 2011."
A área da Fazenda do Bulcão ou por um processo chamado de restauração ecossistêmica e adquiriu o status de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). O local, onde antes havia dificuldade até para crescer pastagem, transformou-se em mata fechada e um refúgio cheio de vida silvestre. "É um modelo, é um piloto para o Brasil, e eu diria que talvez seja um piloto para o mundo. O que nós fizemos no Instituto Terra tem que ser feito em todas as partes do Brasil", afirmou o fotógrafo em 2021.
Lélia Wanick destacou que a restauração da cobertura vegetal também estava atraindo animais para as áreas reflorestadas pela ONG ambiental, em entrevista para a TV, também em 2021. "Quando chegam os felinos e os macacos, é porque toda a cadeia alimentar está pronta. Eles têm o que comer. Essa floresta é uma floresta jovem, mas ela está formada", ressaltou.
Salgado também se preocupou em recuperar as nascentes do Rio Doce e fez isso por meio do projeto Olhos D'Água.
Em mais de 25 anos de história, o Instituto Terra já plantou mais de 3 milhões de árvores no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. A entidade fornece a maioria de suas mudas aos agricultores da região da Fazenda Bulcão que também desejam reflorestar suas terras. Em particular, o projeto Olhos D'Água tem recepção muito positiva por parte da comunidade.
Ele recupera, por meio do replantio, fontes que estão secando. Além disso, a escola agrícola no terreno do Instituto oferece formação profissional a jovens da região. Eles devem implementar as ideias da silvicultura sustentável no futuro nas fazendas de seus pais.
Salgado dizia que sua virada para a natureza e o trabalho com o Instituto Terra haviam lhe devolvido a esperança no mundo e na humanidade. "Quando vi aquela vida, de uma maneira tão elegante, tão forte, voltar, comecei a acreditar que podemos fazer de outra forma, que existe esperança, e que a esperança seguramente está ligada ao planeta", declarou, quando do lançamento da exposição e do livro Gênesis, que recebeu o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, entregue da Feira do Livro de Frankfurt em 2019.
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O otimismo reconquistado do fotógrafo não foi abalado nem mesmo pela tragédia de Mariana, considerado o maior desastre ambiental do Brasil. Poucos dias depois do rompimento da barragem, Salgado já tinha em mente um plano de recuperação do dano causado. Sua ideia era reflorestar as marginais do Rio Doce e de seus afluentes com milhões de mudas. "Nesses próximos 20 anos, quero ver se antes de morrer a gente deixa esse vale bem recuperado, parecido com o que era no início do século ado", destacou, em entrevista de 2016.
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O defensor do planeta era crítico do ex-presidente Jair Bolsonaro, por sua política de retrocessos ambientais. Em entrevista ao Correio, em 2022, contou ter trabalhado com várias etnias da Amazônia e percebido o avanço da destruição da floresta.
"O bioma amazônico, principalmente no governo atual (Bolsonaro), sofre total ameaça. A primeira coisa que este governo fez foi tirar os filtros de proteção. O Ibama era um grande filtro de proteção, que verificava, dava multas. Foi eliminado para permitir a destruição", relatou. "O segundo filtro foi a Funai, que sempre foi dirigida por cientistas, sempre foi organizada e funcionou na mão de sertanistas, de sociólogos, de antropólogos. A Funai hoje é dirigida por um delegado de polícia e serve ao agronegócio mais do que às comunidades. A Funai ou a ser o inimigo das comunidades. Isso permitiu a violação extrema do bioma e das comunidades indígena." (Colaborou Giovana Souza)
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